segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

E se o Grande Irmão controlar a internet?



Estados e empresas já testam sistemas que permitem ocultar ou eliminar, maciçamente, conteúdos digitais. Para evitar futuro orwelliano, é preciso agir agora.

Por Peter Van Buren | Tradução Cauê Seignemartin Ameni 

Fonte: Outras Palavras

 
Após alimentar sonhos de uma comunicação radicalmente livre, a internet poderia converter-se no exato oposto? A digitalização, que hoje acelera a circulação de informações em todos os formatos e linguagens, não facilitaria, também, a eliminação de informações e opiniões que já não têm existência material — porque foram reduzidas a impulsos eletrônicos? Nos últimos dias, fatos novos reforçaram a urgência de considerar estas ameaças com seriedade e de encontrar meios para afastá-las.

Nos Estados Unidos, depois de analisar a fundo o sistema de coleta maciça de informações sobre as chamadas telefônicas dos cidadãos, mantido pela Agência Nacional de Segurança (NSA) um juiz considerou-o, em 14 de dezembro, “quase orwelliano”. Três dias depois, um grupo de consultores formado pelo presidente Barack Obama para analisar este mesmo mecanismo recomendou uma série de mudanças. Propôs, em especial, retirar os poderes que pequenos grupos de assessores militares têm hoje para ordenar a vigilância direta sobre o conteúdo das comunicações mantidas por certas pessoas, a partir da identificação de seus interlocutores frequentes. Não há, no entanto, qualquer garantia de que as recomendações sejam adotadas.

Ao contrário: analistas de assuntos de segurança, ouvidos pelo “New York Times”, disseram “duvidar” que Obama tenha “coragem” para enfrentar a vasta rede de agências de espionagem formada após 11 de setembro de 2001 e a assinatura da “Lei Patriótica“. Um assessor da Casa Branca afirmou que o presidente analisará as propostas em suas férias de fim de ano no Havaí, mas que já descarta uma delas: precisamente a que desmantelaria certas articulações entre tais agências, para limitar seu poder.

Até onde pode ir este controle sobre a comunicação? No texto a seguir, Peter Van Buren, um diplomata norte-americano ainda na ativa, chama atenção para um de seus aspectos mais aterrorizantes. Num mundo em que as informações estão sendo digitalizadas em enorme velocidade e em que os suportes físicos estão desaparecendo, pode tornar-se fácil demais “apagar” informação incômoda. Não se trata apenas de hipótese. Van Buren, que escreve em publicações como The Nation, Huffington Poste Mother Jones, apresenta os sistemas que já são utilizados (embora em pequena escala), por governos e empresas para restringir o acesso dos cidadãos a certos conteúdos. No momento, prossegue ele, isso é feito com pretextos consensuais: por exemplo, restringir o acesso a sites que estimulam a pedofilia e o abuso de crianças. Mas, em novos cenários políticos, as mesmas técnicas de invisibilização não poderiam ser utilizadas contra ideias dissidentes? Não estamos arriscados a materializar o “buraco de memória” previsto por George Orwell em “1984″?

O alerta de Van Buren não precisa ser tomado como uma sentença. Assumir a ameaça como algo inevitável seria, aliás, um convite ao conformismo. Mas na agenda de temas sobre os quais é preciso agir para construir um planeta habitável no futuro, parece cada vez mais necessário destacar a disputa pela liberdade na internet. Talvez o que esteja em jogo, nesta batalha, seja a própria possibilidade de democracia e liberdade de expressão. (Antônio Martins)


Leia a matéria:

E se fizessem Edward Snowden desaparecer? Não, não estou sugerindo alguma iniciativa “inovadora” da CIA, ou uma teoria conspiratória ao estilo de “quem matou Snowden?”, mas algo ainda mais tenebroso.

E se simplesmente fosse possível fazer desaparecer tudo o que alguém denunciou? E pudessem ser eliminados, em tempo real, todos os documento da Agência de Segurança Nacional (NSA) revelados pelo ex-agente Snowden — cada entrevista que ele concedeu, cada indício documentado sobre um Estado de segurança nacional que fugiu de qualquer controle? E se a publicação de tais revelações pudesse ser reduzida a um esforço estéril, como se os fatos não existissem mais?

Estou sugerindo o enredo para o romance de algum George Orwell do século 21? Dificilmente. À medida que caminhamos para um mundo totalmente digitalizado, coisas semelhantes poderiam ser possíveis em breve, não na ficção cientifica, mas no nosso mundo real, apenas pressionando um botão. Na verdade, os primeiros protótipos de uma nova técnica de ocultameno radical já estão sendo testados. Estamos mais perto de uma distópica realidade aterradora, que poderia ter sido o tema de romances futuristas imaginários. Bem-vindo ao buraco da memória.

Mesmo se um futuro governo cruzar novas linhas vermelhas e simplesmente assassinar os vazadores de informações sigilosas, outros sempre emergirão. Mas em 1948, em sua assustadora 1984, no entanto, Orwell sugeriu uma solução mais diabólica para o problema. Evocou um artificio tecnológico para o mundo do Grande Irmão (Big Brother) que chamou de buraco da memoria. Em seu futuro sombrio, exércitos de burocratas, trabalhando ironicamente no Ministério da Verdade, passavam suas vidas apagando ou alterando documentos, jornais e livros, a fim de criar uma versão aceitável da história. Quando alguém caía em desgraça, o Ministério da Verdade o excluía, e toda documentação relacionada com sua vida, ia para o buraco da memoria. Cada artigo ou noticia que mencionava ou registrava de alguma maneira sua vida era modificado para erradicar todo o indicio de sua existência.

No mundo pré-digital de Orwell, o buraco da memoria era um tubo de vácuo no qual velhos documentos eram fisicamente destruídos para sempre. As alterações de documentos existentes e a eliminação de outros asseguravam que nem mesmo as repentinas alterações de alianças e inimigos globais estabilidade representassem problema para os guardiões do Grande Irmão. Neste mundo imaginado, graças aos exércitos de burocratas, o presente era o que sempre havia sido e os documentos alterados comprovavam este fato, sem o risco de que memórias titubeantes pudessem argumentar em contrário. Qualquer pessoa que expressasse dúvidas sobre a verdade do presente seria marginalizada ou eliminada, sob acusação de “crime de consciência”.

Censura digital, governamental e corporativa


A maioria de nós acessa notícias, livros, músicas, filmes e outras formas de comunicação por meios cada vez mais eletrônicos. O Google já tem mais receita publicitária que o conjunto de todos os meios impressos dos EUA. Mesmo a venerávelNewsweek não publica mais uma edição em papel. E nesse mundo digital esta se explorando a possibilidade de um certo tipo de simplificação. Os chineses e iranianos entre outros, por exemplo, já implementaram estrategias de filtragem na web para bloquear o acesso a sites e material que não são aprovados pelos governos. Do mesmo modo (embora sem sucesso), o governo dos EUA bloqueia o acesso de seus funcionários ao Wikileaks e ao material divulgado por Edward Snowden, ainda que a censura não prevaleça em suas casas. Ainda não.

A Grã-Bretanha, no entanto, dará em breve um passo significativo, no que diz respeito ao que o cidadão pode ver na web, inclusive quando está em sua casa. Antes do fim do ano, quase todos os usuários de internet serão incluídos num sistema destinado a filtrar a pornografia. Por padrão, os controles também bloquearão o acesso a material violento, conteúdo relacionado a extremistas e terroristas, sites relacionados a anorexia, distúrbios alimentares e suicídios, assim como sites que mencionem álcool e tabagismo. O filtro também bloqueará material esotérico, embora grupos ativistas baseados no Reino Unidos exijam explicações.

E as formas de censura na internet patrocinadas pelos governos estão sendo privatizadas. Novos produtos comerciais, de fácil aplicação, garantem que uma organização não precise ser a NSA para bloquear conteúdos. Por exemplo, a Blue Coat é uma empresa-líder em “segurança” na internet é uma importante exportadora de tais tecnologias. Pode estabelecer facilmente um sistema para monitorar e filtrar todo o uso da internet, bloqueando sites por seu endereço www, por palavras-chaves ou mesmo por seu conteúdo. O software da Blue Coat é empregado, entre outros, pelo exército dos EUA, para controlar o que seus soldados veem quando deslocados ao exterior; e pelos governos repressivos da Síria, Arábia Saudita e Myanmar para bloquear ideia políticas do exterior.

Busca no Google…

Em certo sentido, o buscador do Google também poderia fazer desaparecer material. No momento, é simpático aos denunciantes. Uma rápida busca (0,22 segundos) produz mais de 48 milhões de hits sobre Edward Snowden, que se referem em sua maioria aos documentos filtrados da NSA. Alguns dos sites apresentam os próprios textos, etiquetados como Top Secret. Há menos de meio ano, somente membros de um grupo muito limitado no governo, ou conectado contratualmente com ele, poderiam ver coisas semelhantes. Agora, estão disponíveis em toda a web.

Buscador numero um na internet, o Google parece uma máquina para difundir maciçamente — e não suprimir — noticias. Coloque qualquer informação na web e é provável que o Google encontre-a rapidamente, agregando-a aos resultados de sua busca no mundo inteiro, às vezes em segundos. Mas como poucas pessoas pesquisam além dos primeiros resultados, o simples fato de estar presente ou oculto entre estes tem enorme significado. Já não basta fazer com que o Google note o que você produz. O que importa agora é conseguir que coloque o material suficientemente acima, na pagina de resultado das buscas. Se o seu site é o numero 47.999.999, numa pesquisa sobre Snowden, você pode dar-se por morto, praticamente desapareceu. Pense nisso como ponto de partida para as formas mais significativas de desaparecimento, que podem nos aguardar no futuro.

Ocultar algo aos usuários, reprogramando as maquinas de busca, é outro passo sombrio no futuro. Mais um é a eliminação efetiva de conteúdos, um processo que exigiria reprogramar os computadores que realizam a pesquisa. E se o Google se negar a implantar esta possível mudança em direção a buscas destrutivas, a NSA — que parece já ser capaz de projetar seus tentáculos dentro do buscador — poderia implantar sua própria versão de um código maligno, como já fez em pelo menos 50 mil casos.

Mas não se preocupe apenas com o futuro: uma estratégia de busca negativa já funciona, mesmo que seu objetivo atual, agir contra os pedófilos, seja fácil de aceitar. O Google introduziu recententemente um software que dificulta a busca de material relacionado a abuso infantil. Como disse o chefe da empresa, Eric Schmidt, o buscador foi programado para limpar mais de 100 mil palavras-chaves usadas por pedófilos para buscar pornografia infantil. Agora, por exemplo, quando os usuários fizerem pesquisas que possam estar relacionadas com abuso sexual, não encontrarão resultados que levem a conteúdo ilegal. Em seu lugar, o Google orienta para sites de ajuda e conselhos. Em breve presenciaremos essas mudanças em mais de 150 idiomas, de modo que o impacto seja verdadeiramente global, escreveu Schmidt.

Enquanto o Google reorienta as buscas de pornografia infantil para sites de aconselhamento, a NSA desenvolveu uma capacidade parecida. A agência controla um conjunto de servidores com o codinome Quantum, que se encontram na rede central da internet. Sua tarefa é reorientar objetivos, afastando-os dos destinos solicitados e redirecionando-os para sites preferidos pela agência. A ideia é: você digita o endereço de um site e é conduzido a outro, menos odiado pela agencia. Embora atualmente essa tecnologia seja usada para enviar potenciais jihadistas online a materiais islâmicos mais moderados, no futuro poderá ser empregada, por exemplo, para reorientar as pessoas que procuram noticias de site como a Al-Jazeera a outra agência, que se ajuste à versão dos fatos construída pelo governo.

… e destrói!

No entanto, as tecnologias de bloqueio e reorientação, que provavelmente serão mais sofisticadas no futuro, não constituem a maior ameaça. O Google já prepara o passo seguinte, a serviço de uma causa que quase todos aplaudirão. Está implementando tecnologia capaz de identificar imagens fotográficas de abuso infantil cada vez que aparecem em seu sistema, assim como tecnologia de comprovação capaz de verificar e eliminar vídeo ilegais. As ações da empresa para combater a pornografia infantil podem ser muito bem intencionadas, mas a tecnologia que esta sendo desenvolvida para tanto deveria nos aterrar a todos. Imagine se, em 1971, os Papéis do Pentágono, o primeiro documento sobre as mentiras da guerra do Vietnã a que a maioria dos norte-americanos teve acesso, houvessem sido eliminados. Se a Casa Branca de Nixon tivesse desaparecido com esses documentos, a história não teria seguido um caminho diferente, muito mais sombrio?

Ou considere um exemplo que já é realidade. Em 2009, muitos donos de leitores de livros digitais Kindle descobriram que a Amazon havia colocado suas mãos em seus aparelhos durante a noite e eliminado remotamente as copias de Revolução do Bichos e 1984 de Orwell (não é uma ironia). A empresa explicou que os livros, publicados por erro em suas maquinas, eram na realidade, copias dos romances vendidas ilegalmente. Da mesma maneira em 2012, Amazon apagou o conteúdo do Kindle de um cliente sem advertência prévia, afirmando que sua conta estava relacionada com outra conta que havia sido previamente encerrada por ir contra as políticas da empresa. Usando a mesma tecnologia, a Amazon tem agora a capacidade de atualizar livros em seu aparelho, com o conteúdo alterado. Depende da empresa informar os usuários a respeito ou não.

Além do Kindle, o controle remoto sobre outros aparelhos já é uma realidade. Grande parte dos softwares de nossos computadores comunica-se, em segundo plano, com servidores da empresa produtora, sendo sujeitos a atualizações automáticas que podem alterar seu conteúdo. A NSA utiliza malware, software maligno implantando remotamente em um computador, para alterar o modo de funcionamento da máquina. O código do vírus Stuxnet, que provavelmente danificou mil centrifugas usadas pelos iranianos para enriquer urânio, é um exemplo de como pode operar algo parecido.

Atualmente, cada iPhone já checa, com a sede central [da Apple], que aplicativos foram comprados; e sobre que links você clica rotineiramente, A Apple preserva-se o direito de desaparecer com qualquer aplicativo, por qualquer motivo. Em 2004, TiVo processou a Dish Network por entregar a seus clientes set-top boxes [equipamento para conectar televisões], que segundo a TiVo infringiam suas patentes de software. Apesar do caso ter sido solucionado em troca de uma grande indenização, como remédio inicial, o juiz ordenou a Dish que desativasse eletronicamente todos os 192 mil aparatos que havia instalado nas casas dos clientes. No futuro, pode haver cada vez mais meios para invadir e controlar computadores, alterar e fazer desaparecer o que está sendo lido, enviar os internautas a sites que não buscavam.

As revelações de Snowden, sobre o que faz a NSA para reunir informação e controlar a tecnologia, fascinaram o planeta desde junho, mas são apenas parte da equação. Como o governo ampliará seus poderes de vigilância e controle no futuro é uma história que ainda não foi contada. Imagine instrumentos para ocultar, alterar ou eliminar conteúdos com campanhas difamatórias para desacreditar ou dissuadir denunciantes. O poder que está potencialmente à disposição dos governos e corporações tornou-se mais evidente.

A possibilidade de ir além de alterar conteúdos, e modificar a maneira como as pessoas atuam também se encontra, obviamente, nas agendas governamentais e corporativas. A NSA já reuniu dados para chantagem espionando o acesso de muçulmanos radicais a pornografia digital. Também interceptou eletronicamente um congressista norte-americano sem possuir um mandato judicial. A capacidade de reunir informações sobre juizes federais, dirigentes do governo e candidatos presidenciais fazem com que os esquemas de chantagem de J. Edgar Hoover, no FBI da década de 50, parecerem tão pitorescos quando as meias soquete e saias poodle da sépoca. As maravilhas da Internet nos maravilham todos os dias. As possibilidades distópicas orwellianas da rede não tinha, até recentemente, chamado a nossa atenção da mesma forma. Elas deveriam.

Leia isso agora, antes que seja apagado

O possível futuro que espera os futuros vazadores de informação dos serviços de inteligência é aterrorizante. Agora, quase tudo é digital. Se grande parte do tráfico da internet mundial flui através dos Estados Unidos ou países aliados (ou da infra-estrutura de companhias norte-americanas no exterior); se máquinas de busca podem encontrar em questão de frações de segundos qualquer coisa; se, nos EUA, a Lei Patriótica e as decisões secretas do Tribunal de Supervisão da Inteligência Externaconvertem o Google e gigantes da tecnologia em enormes instrumentos do Estado de segurança nacional; e se tecnologias sofisticadas podem bloquear, alterar e apagar material digital, apertando apenas um botão, o buraco da memoria já não é mais ficção.

Revelações vazadas terão tão pouco sentido como velhos livros empoeirados no sótão, cuja existência é ignorada. Poste o que quiser. As leis de liberdade de expressão permite que você o faça. Mas que sentido haverá, se ninguém puder ler? Seu tempo seria melhor empregado parando em alguma esquina e gritando aos transeuntes. Num futuro já fácil de imaginar, um conjunto de revelações similares às de Snowden poderá ser bloqueado ou excluído com tanta rapidez que ninguém poderá republicá-las.

Tecnologia em contínuo desenvolvimento, se viradas 180 graus, poderão eliminar maciçamente informações e opiniões. A internet é um espaço amplo, mas não infinito. Está centralizando rapidamente informações nas mãos de poucas corporações, sob o controle de poucos governos e os EUA encontram-se no centro das principais rotas de trânsito da rede.

Agora, você deveria sentir um calafrio. Estamos vendo, em tempo real, como 1984 passa de uma fantasia futurista para um manual de instruções. Se isso ocorrer, não será necessário matar um futuro Edward Snowden. Ele já estará morto.


Leia Mais ►

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

“Abandonar Snowden é uma causa indigna”, diz Sérgio Amadeu


“Apoiar Snowden representa colocar a dignidade, a privacidade, a liberdade e o direito à autonomia dos povos acima das razões do Estado”, afirma o cientista político.
 

    Por Andriolli Costa, IHU - On Line                                                     

Em carta aberta ao povo brasileiro, publicada nesta
Foto:  http://bit.ly/19UCJC0
terça-feira (17), o ex-agente da Agência de Segurança Nacional - NSA,
Edward Snowden, manifestou interesse em vir para o Brasil.

Perseguido pelo governo dos Estados Unidos e confinado em seu asilo na Rússia, Snowden se dispôs a colaborar com as investigações sobre os abusos cometidos pela vigilância massiva estadunidense, que teve como alvo diversas lideranças políticas, agências e empresas brasileiras.

Alertou: “Até que um país conceda asilo político permanente, o governo dos EUA vai continuar a interferir em minha capacidade de falar”. No mesmo dia o Itamaraty recusou o pretenso pedido, alegando não ter interesse em “dar o troco na NSA”. Na quarta-feira (18), a presidenta Dilma Rousseff também se manifestou negativamente. "Não me encaminharam nada, não me pediram nada, não interpreto nada. Não vou falar sobre isso", disse ela.

Para o cientista político Sérgio Amadeu, no entanto, o apoio a Snowden não indica uma postura revanchista, mas de solidariedade e valorização do papel histórico executado pelo ex-agente, da defesa do direito à privacidade, liberdade e autonomia dos povos. “As pessoas podem ter mil causas para defender o Snowden, mas todas elas são dignas. Abandonar Snowden é uma causa indigna”, defende ele. “As razões de não dar asilo a Snowden são racionalmente compreensíveis, mas eticamente inaceitáveis.” Mesmo que o ex-agente não seja capaz de efetivamente deixar o território russo, a simples reação positiva do Estado brasileiro representaria uma recusa simbólica às violações e abusos aos direitos do povo.

Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Amadeu defende uma série de medidas possíveis para assegurar a segurança nacional. “Não precisamos do Snowden para saber que o sistema operacional daPresidência da República não deve ser o Windows.” Segundo ele, o Brasil tem a competência e a capacidade de desenvolver tecnologias de armazenamento e correspondência seguras, de código aberto e auditáveis, de modo a não nos tornarmos reféns de tecnologias e soluções estrangeiras sem qualquer comprometimento efetivo com o governo brasileiro. “Há muitas medidas concretas que podem ser tomadas dentro do Estado brasileiro. Segurança não é comprar produtos; segurança é um processo contínuo de inteligência na área de informações”, aponta.

Sérgio Amadeu, doutor em Ciência Política pela
Foto: http://bit.ly/1kVH0dA
Universidade de São Paulo – USP, participou da implementação dos Telecentros na América Latina e da criação do Comitê de Implementação de Software Livre – CISL. Também foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI da Casa Civil da Presidência da República. É professor na Universidade Federal do ABC – UFABC. É autor de, entre outros, Exclusão digital: a miséria na era da informação (São Paulo: Perseu Abramo, 2001); Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento (São Paulo: Perseu Abramo, 2004) e Comunicação Digital e a Construção dos Commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação (São Paulo: Perseu Abramo, 2007).


Confira a entrevista.

IHU On-Line - Apesar da carta aberta de Snowden, o Itamaraty afirmou que não tem interesse em “dar o troco” na NSA e dar asilo a Snowden em troca de informações. Como você enxerga essa decisão?

É uma resposta muito triste esta doItamaraty, especialmente porque a espionagem dos Estados Unidos não tinha interesse apenas em controle e dominação política, mas também em benefícios econômicos. Conceder asilo a Snowden não é uma questão de “dar o troco”, mas de solidariedade, de reconhecer seu papel histórico na sociedade mundial.

Acho que é uma posição completamente equivocada da diplomacia brasileira — que em geral tem posições boas. Mesmo em momentos autoritários o Brasil nunca foi uma mera corrente de transmissão norte-americana. Nós já coordenamos votações contra os Estados Unidos, já rompemos acordos prioritários, e é lamentável que não tenhamos mantido nossa posição agora, justamente em um momento em que tanto os Estados Unidos quanto a Inglaterra instituem uma diplomacia do cinismo.

Julian Assange, por exemplo, está preso em uma embaixada equatoriana não por ter denunciado assassinatos ocultados pelas tropas e pelo departamento de Estado americano, não por ter vazado informações, mas por acusações de crime sexual na Suécia. É o fim da picada. Se a opinião pública mundial dos países democráticos perderem Snowden para uma prisão norte-americana, eu diria que este seria um século XXI pior do que deveríamos ter. Teremos um século onde um Estado como o norte-americano se institui como a polícia do mundo; uma polícia autocrática que mente, assassina, interfere na vida das pessoas.

IHU On-Line - Em que medida a postura do Itamaraty contribui para uma sociedade mais livre, longe da espionagem e da vigilância de Estado?

A medida do Itamaraty é equivocada. Uma resposta adequada seria simplesmente dizer que, em defesa da coerência do discurso da presidenta Dilma na ONU, que dava conta de um pacto contra o vigilantismo em massa do mundo, em defesa da autonomia dos povos e do respeito à dignidade e aos direitos humanos, estamos mostrando para a maior potência do mundo que somos solidários a Snowden. O Brasil tem de deixar claro que não vai permitir tamanho absurdo, que é a supremacia da violação massiva de direitos.

IHU On-Line - A primeira chefe de Estado a defender a internet livre e o respeito à privacidade na ONU foi a presidenta Dilma Roussef. O que há de contraditório entre a postura de Dilma na ONU e a postura do Itamaraty?

O Itamaraty agiu em nome das ações do Estado brasileiro e da diplomacia em um mundo tenso. Ele decidiu não arriscar as relações econômicas com os Estados Unidos para fazer solidariedade a uma pessoa nitidamente contrária à política internacional americana. Então ele agiu com um pragmatismo completamente distante de uma política de paz, de diversidade cultural. A solidariedade a Snowden pode ser um sinal para esses estados mudarem a sua política. Pode igualmente ser um sinal positivo de um país que tem uma democracia muito mais estável do que a norte-americana, que vive em permanente estado de exceção.

IHU On-Line – Qual seria uma resposta à altura para a espionagem dos Estados Unidos?

Uma das respostas à altura, na minha opinião, seria primeiro dar cobertura a Snowden e tentar trazê-lo da Rússia para o Brasil — coisa que não seria simples, pois a aeronave ou embarcação seria interceptada pelas forças norte-americanas. 


Uma segunda ação seria fazer uma denúncia contundente da política norte-americana de vigilantismo em massa, além do que a presidente fez. Externar claramente na assembleia geral da ONU os detalhes desta agressão que nós sofremos. Assim, a medida de propor um acordo internacional e trabalhar por esse acordo, junto com a medida de dar asilo, mostrar interesse em proteger e ser solidário a Snowden, seriam boas respostas. Os Estados Unidos têm muita força, mas temos que começar a inverter isso.

IHU On-Line – Você concorda que se o Brasil tivesse aceitado o pedido de asilo de Snowden, esse ato seria encarado nos EUA como revanchismo?

Poderia, sim. Afinal, os Estados Unidos são o país que mais entende de revanche no mundo. Mas os EUA não teriam como repreender esse possível ato brasileiro. Eles não teriam condições de dizer que o Brasil faz parte do eixo do mal. O Brasil não dá guarida a terroristas, não tem em seu território operações militares antiamericanas, não tem interesse expansionista na América do Sul e em nenhum lugar do planeta. Logo, o Brasil não é um país que coloque em risco qualquer elemento do conceito de segurança norte-americano. A revanche brasileira ficaria difícil de ser sustentada como algo que requer uma retaliação, como foi o caso da perseguição do líder da Al-Qaeda. A cultura americana é belicista, isso nós entendemos, mas não podemos aceitar. Não podemos achar bonito que os americanos se vangloriem de atacar qualquer lugar do mundo. Isso não é normal e aceitável para uma cultura democrática que pretende ser pacífica e tolerante.

Snowden representa o que há de melhor na sociedade norte-americana. Porque esta sociedade não é feita só por esses grupos de crença puritana, que acham que estão predestinados a comandar o mundo. O Snowden vem de um espírito de tudo o que tem de mais rico nesta cultura.

A cultura americana é muito rica; lá nasceu o movimento hacker, o software livre, a internet, ojazz e várias situações de práticas recombinantes. Então, temos de entender que o Snowden representa essa parcela da população norte-americana.

IHU On-Line – No mesmo dia em que o asilo foi negado, foi criada uma petição pública no Avaaz que rapidamente atingiu milhares de assinaturas solicitando que o Brasil aceite a vinda de Snowden. Como encara esse tipo de manifestação de apoio? Ela representa a conscientização e atenção do povo brasileiro para este tipo de assunto ou é reflexo de uma onda estimulada pela internet?

Se for uma onda, é uma onda extremamente importante no plano político nacional e internacional. É fundamental que a opinião pública se manifeste. As pessoas podem ter mil causas para defender o Snowden, mas todas elas são dignas. Abandonar Snowden é uma causa indigna. Ela vem do receio de enfrentar ou de criar uma situação inconveniente para com os Estados Unidos. As razões de não dar asilo a Snowden são racionalmente compreensíveis, mas eticamente inaceitáveis. Então, não importa por que um jovem, um adulto ou uma mulher assinem esta petição. O Snowden representa colocar a dignidade, a privacidade, a liberdade, o direito à autonomia dos povos acima das razões do Estado, e isso é extremamente relevante. Se existe uma onda, devemos incentivar.

IHU On-Line - Snowden afirma que poderia auxiliar o Brasil nas investigações sobre a suspeita de crimes cometidos pela NSA contra cidadãos brasileiros. Acredita que ele teria com o que colaborar ou o seu aceite seria muito mais de ordem simbólica?

A vinda dele seria muito mais simbólica. É claro que ele poderia dar uma colaboração, mas eu não vejo como nosso interesse esse tipo de investigação. O Brasil não tem uma política imperialista, mas sim de defesa da liberdade democrática e de direitos. A medida mais adequada é voltar-se para a segurança nacional da informação, apesar de o governo ainda continuar tratando empresas americanas, como a Microsoft, como empresas quaisquer. Eu falo da Microsoft porque ela está querendo vender para os Estados Unidos uma nuvem de segurança, e é possível que o governo realmente adquira esse produto.

IHU On-Line - Você acredita que a Microsoft poderia enviar dados sigilosos para a NSA?

Pode e, de acordo com as denúncias do Snowden e as notícias divulgadas em vários jornais, é o que acontece. A empresa atua em diversos projetos junto com a NSA. 


É claro que as empresas que fornecem equipamentos de comunicação têm que colaborar com o governo americano, porque a lei manda. Não precisamos do Snowden para saber que o sistema operacional da Presidência da República não deve ser o Windows. Agora nós estamos em um momento em que é possível desenvolver tecnologias auditáveis, que são abertas e que podemos ter domínio completo sobre elas — ou, pelo menos, um domínio maior. No caso do armazenamento em nuvem e e-mail seguro, também temos condição de fazer isso. Então qual é o problema? O problema é que lamentavelmente existe um lobby pesado que penetra na burocracia brasileira.

IHU On-Line - Quais medidas podem ser tomadas para maior segurança da informação caso haja um planejamento adequado?

Primeiro, temos que buscar utilizar softwares nas máquinas das autoridades mais visadas, que trabalham com informações sensíveis, que possam ser auditadas por técnicos da nossa inteira confiança. A segunda medida é apoiar, inclusive com o BNDES e outras estruturas de financiamento, o desenvolvimento de soluções abertas ou soluções que sejam nacionais e que não tenham condições de ser cooptadas e capturadas pelas agências de inteligência americana. Então, do ponto de vista de segurança de informações de nossas empresas estratégicas da política internacional brasileira e de nossas autoridades, temos condições de adotar essas medidas, que passam por softwares abertos e auditáveis, por começar a desenvolver plataformas de tecnologia seguras. Temos hoje uma capacidade de desenvolvimento tecnológico, mas é preciso identificar quem são os lobistas que só querem ganhar dinheiro à custa da defesa da liberdade, como o da Microsoft. Esse lobista não deveria nem ser respeitado dentro do governo, porque está mais do que nítido que ele está defendendo um interesse econômico, vendendo não o software, mas backdoors, instruções que permitam vazar as informações do Estado brasileiro.

Só para você ter uma ideia, antes da denúncia do Snowden eu assisti a uma apresentação no comitê gestor do Centro de Defesa Cibernética Brasileira (CDCiber). A segunda tela que foi apresentada mostrava as empresas que estavam ajudando a montar o centro, e uma delas era a Microsoft. Quando terminou a apresentação, perguntei para o general: “Como o senhor garante que vai conseguir se defender caso o inimigo sejam os Estados Unidos ou os interesses norte-americanos, se o senhor não domina a tecnologia da Microsoft, já que ela é de código fonte fechada?”. Ele respondeu somente: “Eles são nossos aliados”. Então, veja, isso aconteceu um ano antes da denúncia do Snowden. Esse tipo de concepção vai nos levar aonde? Tal concepção é ingênua, mas tem pessoas que levam essas propostas para o centro de Cibernética.

Há muitas medidas concretas que podem ser tomadas dentro do Estado brasileiro. Segurança não é comprar produtos; segurança é um processo contínuo de inteligência na área de informações.

Em relação às chamadas tecnologias da informação, a segurança é uma luta de inteligência, de criatividade, de tentar estar sempre um passo à frente daquele que quer isolar o seu sistema.

Então, não dá para aceitar determinadas posturas do Estado brasileiro. É claro que eu não desconheço as dificuldades migradas para o sistema, mas também não desconheço o potencial brasileiro e sua capacidade de propor soluções a curto, médio e longo prazos para uma série de problemas.
Leia Mais ►

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Edward Snowden: Carta aos brasileiros



Por Edward Snowden, publicado na Folha

Seis meses atrás, emergi das sombras da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos EUA para me posicionar diante da câmera de um jornalista. Compartilhei com o mundo provas de que alguns governos estão montando um sistema de vigilância mundial para rastrear secretamente como vivemos, com quem conversamos e o que dizemos.

Fui para diante daquela câmera de olhos abertos, com a consciência de que a decisão custaria minha família e meu lar e colocaria minha vida em risco. O que me motivava era a ideia de que os cidadãos do mundo merecem entender o sistema dentro do qual vivem.

Meu maior medo era que ninguém desse ouvidos ao meu aviso. Nunca antes fiquei tão feliz por ter estado tão equivocado. A reação em certos países vem sendo especialmente inspiradora para mim, e o Brasil é um deles, sem dúvida.

Na NSA, testemunhei com preocupação crescente a vigilância de populações inteiras sem que houvesse qualquer suspeita de ato criminoso, e essa vigilância ameaça tornar-se o maior desafio aos direitos humanos de nossos tempos.

Em nome da segurança

A NSA e outras agências de espionagem nos dizem que, pelo bem de nossa própria “segurança” – em nome da “segurança” de Dilma, em nome da “segurança” da Petrobras–, revogaram nosso direito de privacidade e invadiram nossas vidas. E o fizeram sem pedir a permissão da população de qualquer país, nem mesmo do delas.

Hoje, se você carrega um celular em São Paulo, a NSA pode rastrear onde você se encontra, e o faz: ela faz isso 5 bilhões de vezes por dia com pessoas no mundo inteiro.



Quando uma pessoa em Florianópolis visita um site na internet, a NSA mantém um registro de quando isso aconteceu e do que você fez naquele site. Se uma mãe em Porto Alegre telefona a seu filho para lhe desejar sorte no vestibular, a NSA pode guardar o registro da ligação por cinco anos ou mais tempo.

Amantes e pornôs

A agência chega a guardar registros de quem tem um caso extraconjugal ou visita sites de pornografia, para o caso de precisarem sujar a reputação de seus alvos.

Senadores dos EUA nos dizem que o Brasil não deveria se preocupar, porque isso não é “vigilância”, é “coleta de dados”. Dizem que isso é feito para manter as pessoas em segurança. Estão enganados.

Existe uma diferença enorme entre programas legais, espionagem legítima, atuação policial legítima – em que indivíduos são vigiados com base em suspeitas razoáveis, individualizadas – e esses programas de vigilância em massa para a formação de uma rede de informações, que colocam populações inteiras sob vigilância onipresente e salvam cópias de tudo para sempre.

Busca de poder

Esses programas nunca foram motivados pela luta contra o terrorismo: são motivados por espionagem econômica, controle social e manipulação diplomática. Pela busca de poder.

Muitos senadores brasileiros concordam e pediram minha ajuda com suas investigações sobre a suspeita de crimes cometidos contra cidadãos brasileiros.

Expressei minha disposição de auxiliar quando isso for apropriado e legal, mas, infelizmente, o governo dos EUA vem trabalhando arduamente para limitar minha capacidade de fazê-lo, chegando ao ponto de obrigar o avião presidencial de Evo Morales a pousar para me impedir de viajar à América Latina!

Asilo político

Até que um país conceda asilo político permanente, o governo dos EUA vai continuar a interferir com minha capacidade de falar.



Seis meses atrás, revelei que a NSA queria ouvir o mundo inteiro. Agora o mundo inteiro está ouvindo de volta e também falando. E a NSA não gosta do que está ouvindo.

A cultura de vigilância mundial indiscriminada, que foi exposta a debates públicos e investigações reais em todos os continentes, está desabando.

Brasil na ONU

Apenas três semanas atrás, o Brasil liderou o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas para reconhecer, pela primeira vez na história, que a privacidade não para onde a rede digital começa e que a vigilância em massa de inocentes é uma violação dos direitos humanos.

A maré virou, e finalmente podemos visualizar um futuro em que possamos desfrutar de segurança sem sacrificar nossa privacidade.

Nossos direitos não podem ser limitados por uma organização secreta, e autoridades americanas nunca deveriam decidir sobre as liberdades de cidadãos brasileiros.

Mesmo os defensores da vigilância de massa, aqueles que talvez não estejam convencidos de que tecnologias de vigilância ultrapassaram perigosamente controles democráticos, hoje concordam que, em democracias, a vigilância do público tem de ser debatida pelo público.

Ato de consciência

Meu ato de consciência começou com uma declaração: “Não quero viver em um mundo em que tudo o que digo, tudo o que faço, todos com quem falo, cada expressão de criatividade, de amor ou amizade seja registrado. Não é algo que estou disposto a apoiar, não é algo que estou disposto a construir e não é algo sob o qual estou disposto a viver.”

Dias mais tarde, fui informado que meu governo tinha me convertido em apátrida e queria me encarcerar. O preço do meu discurso foi meu passaporte, mas eu o pagaria novamente: não serei eu que ignorarei a criminalidade em nome do conforto político. Prefiro virar apátrida a perder minha voz.

Se o Brasil ouvir apenas uma coisa de mim, que seja o seguinte: quando todos nos unirmos contra as injustiças e em defesa da privacidade e dos direitos humanos básicos, poderemos nos defender até dos mais poderosos dos sistemas.


Tradução de Clara Allain

Leia Mais ►

As empresas contra a sociedade civil


Dossiê revela: para neutralizar ativismo, grandes corporações contratam militares, espionam e sabotam grupos que lutam por direitos humanos e meio-ambiente.

Por Taís Gonzalez
Fonte: Outras Palavras, 16 de dezembro de 2013.


Em março deste ano, quando ativistas brasileiros desmascararam um funcionário da Vale que se infiltrara em um encontro de mobilização, para espionar e registrar imagens, alguns pensaram tratar-se de ato raro, praticado por iniciantes atabalhoados. Acaba de sair nos Estados Unidos um relatório que revela, com riqueza de dados, o contrário. Nos últimos anos, vigiar, ameaçar e trapacear os movimentos sociais tornou-se prática comum entre as grandes empresas transnacionais. Elas passaram a adotar táticas idênticas às de agências como a CIA e a NSA – mas talvez provoquem ainda mais danos, pois têm um número muito maior de alvos. Perseguem ativistas ligados a um amplo leque de causas: entre outras, o ambientalismo, a oposição às guerras, defesa dos serviços públicos, segurança alimentar, agroecologia, reforma urbana e direitos dos animais. Entre as envolvidas, são citadas nominalmente Walmart, Bank of America, McDonalds, Monsanto, Shell, Chevron, Burger King, Kraft, Dow Química e Câmera Americana do Comércio

O relatório, disponível aqui, foi preparado pelo Centro de Estudos das Políticas Corporativas, um grupo dedicado a denunciar abusos corporativos e exigir responsabilidade empresarial. Com redação final de Gary Ruskin, tem 53 páginas e enorme quantidade de material inédito: após uma breve apresentação, seguem-se dezenas de casos concretos. O estudo remonta ao século 19. Lembra que desde então o mundo empresarial – particularmente o norte-americano – serve-se de vigilância para tentar impedir ações como greves e mobilizaçõs sindicais.

Mas sustenta que o fenômeno assumiu proporções completamente distintas após o fim da Guerra Fria. Num certo sentido, as corporações transnacionais privatizaram – e expandiram agressivamente – a vigilância sobre a sociedade civil antes praticada por agências estatais. “Onde antes havia um punhado de agências de detetives privadas, há agora centenas de organizações multinacionais de segurança, que têm sobre si muito menos controle que os serviços do Estado”, diz o texto.

As grandes corporações procuram detonar, principalmente, ações que denunciam suas práticas e atingem, em consequência, sua imagem. Para impedi-las ou desacreditá-las, demonstram os casos citados pelo relatório, as grandes empresas infiltram agentes entre os movimentos e instalam equipamentos de vigilância (inclusive sobre telefones e internet) nos locais de articulação e mobilização. Mas não se limitam a isso. Roubam documentos, atacam computadores e derrubam sites. Transmitem denúncias falsas sobre si próprias, com a intenção de desmoralizar quem as difunde. Vigiam as vidas pessoais de seus críticos e familiares, buscando produzir informações e imagens comprometedoras.

Os departamentos de vigilância das grandes corporações, sustenta Gary Ruskin, estão repletos de ex-agentes da CIA e NSA. Mas, ao contrário do que ocorre com estes serviços, foco de intensas denúncias nos últimos anos, o mundo da espionagem empresarial permanece à sombra. As informações agora publicadas, diz o autor, foram obtidas quase por acidente – em poucos casos bem-sucedidos de ações judiciais requerendo acesso à informação, vazamentos os descuidos. As dimensões do problema podem ser muito maiores que se pensa. “O tema é mantido sob sigilo. Nos últimos anos, houve poucos esforços jornalísticos – e nenhum esforço governamental sério – para desvendar a espionagem empresarial contra a sociedade civil”, diz Ruskin.


Leia Mais ►

domingo, 15 de dezembro de 2013

Boca de Rua: outra peça no quebra-cabeças das mídias livres

Curta conta trajetória incomum de jornal produzido há doze anos, em Porto Alegre, por moradores das ruas. “Mostramos o que a sociedade não vê”, dizem

Por Cibelih Hespanhol

Fonte: Outras Palavras, 6 de dezembro de 2013.



Desde 2001, é distribuído nas ruas de Porto Alegre o único jornal brasileiro feito exclusivamente por moradores de rua. O projeto Boca de Rua traz em suas matérias o ângulo “do que a sociedade não vê”, como conta uma das integrantes do jornal.

Sustentado inicialmente por apenas três pessoas, hoje o Boca possui quase 30 integrantes (que trabalham na reportagem, fotografia, diagramação e distribuição). E das 150 pessoas que já passaram por suas páginas, cerca de 70 chegaram a sair das ruas. A iniciativa de uma comunicação feita por quem não tem voz partiu das jornalistas Rosina Duarte e Clarinha Glork, que tinham como objetivo desconstruir o estigma que paira sobre os moradores de rua – população que vivem diariamente em condição de invisibilidade social.

Atualmente, a ONG Alice (Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação) apoia o projeto Boca de Rua e o Boquinha – destinado para os filhos dos moradores de rua.

Marcelo Andrighetti conheceu o Boca há dois anos, quando comprou um exemplar por R$1,00. Hoje, é diretor do vídeo de 10 minutos que conta sua história, o Boca de Rua – vozes de uma gente invisível. O curta foi contemplado na categoria web documentário pelo programa Rumos Itaú Cultural 2013. Confira!




Leia Mais ►

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Escritores reagem à vigilância de Estados e corporações

Manifesto publicado em 12/12/2013, nos principais jornais do mundo, entre eles The Guardian, Frankfurter Allgemeine Zeitung, Le Monde, El País e La Reppublica, assinado por mais de 500 escritores de todo o planeta, condena a vigilância em massa promovida por Estados e corporações contra a sociedade e pede apoio às Nações Unidas para a garantia dos direitos digitais e da inviolabilidade de dados.

Entre os escritores estão cinco Prêmios Nobel de Literatura - J. M. Coetzee, Günter Grass, Tomas Tranströmer, Orhan Pamuk e Elfriede Jelinek – e outros escritores importantes, do calibre de Ian McEwan, Paul Auster, Don DeLillo e David Grossman. 

Brasileiros como João Ubaldo Ribeiro, Luiz Rufatto e Bernardo Carvalho, entre outros, também firmaram o abaixo-assinado.

(Tradução: Marcelo Degrazia)





Um suporte para a democracia na era digital



Nos últimos meses, a extensão da vigilância em massa tornou-se conhecimento comum. Com alguns cliques do mouse, o Estado pode acessar o seu dispositivo móvel, seu e-mail , suas redes sociais e buscas na internet. Ele pode seguir suas inclinações e atividades políticas e, em parceria com empresas de internet, que coleta e armazena os dados, pode prever os seus consumo e comportamento.

O pilar básico da democracia é a integridade inviolável do indivíduo. A integridade humana se estende para além do corpo físico. Em seus pensamentos e em seus ambientes pessoais e comunicações, todos os seres humanos têm o direito de não serem vigiados nem molestados.

Esse direito humano fundamental ficou sem efeito, devido ao abuso de desenvolvimentos tecnológicos por estados e corporações para fins de vigilância em massa.

Uma pessoa sob vigilância não é mais livre, uma sociedade sob vigilância não é mais uma democracia. Para manter qualquer validade, nossos direitos democráticos devem ser aplicados tanto no espaço virtual quanto no real.

* A vigilância viola a esfera privada e compromete a liberdade de pensamento e de opinião.

* A vigilância em massa trata cada cidadão como um suspeito em potencial. Ele inverte um de nossos triunfos históricos, a presunção de inocência.

* A vigilância torna transparente o indivíduo, enquanto o Estado e a corporação operam em segredo. Como vimos, esse poder tem sido sistematicamente abusado.

* A vigilância é roubo. Esta informação não é propriedade pública: ela pertence a nós. Quando é usada para prever nosso comportamento, somos roubados de outra coisa: o princípio do livre-arbítrio, fundamental à liberdade democrática.

EXIGIMOS o direito de todas as pessoas para determinarem, como cidadãos democráticos, em que medida seus dados pessoais podem ser legalmente coletados, armazenados e processados, e por quem; para obterem informações sobre onde seus dados são armazenados e como estão sendo usados; para obterem a supressão de seus dados, se foram recolhidos e armazenados de forma ilegal.

Apelamos a todos os Estados e empresas para que respeitem esses direitos.

Apelamos a todos os cidadãos para que se levantem e defendam esses direitos.

APELAMOS ÀS NAÇÕES UNIDAS para que reconheçam a importância central da defesa dos direitos civis na era digital, e para que criem uma declaração internacional de direitos digitais.

Apelamos aos governos para que assinem e se comprometam com essa convenção.

Assinado por mais de 500 escritores de todo o mundo

Fonte: change.org


Promotores:

Juli Zeh Germany

Ilija Trojanow Germany

Eva Menasse Germany

Janne Teller Denmark

Priya Basil UK

Isabel Fargo Cole USA

Josef Haslinger Austria



Signatários:

Anila Wilms Albania

Boualem Sansal Algeria

José Eduardo Agualusa Angola

Maria Teresa Andruetto Argentina

Edgardo Cozarinsky Argentina

María Sonia Cristoff Argentina

Marcelo Figueras Argentina

Carlos Gamerro Argentina

Alberto Manguel Argentina

Guillermo Martinez Argentina

Elsa Osorio Argentina

Claudia Piñeiro Argentina

Samanta Schweblin Argentina

Debra Adelaide Australia

Chris Andrews Australia

Venero Armanno Australia

Larissa Beherendt Australia

James Bradley Australia

Brian Castro Australia

Nick Cave Australia

J. M. Coetzee Australia

Miriam Cosic Australia

Michelle de Kretser Australia

Nick Earls Australia

Delia Falconer Australia

Anna Funder Australia

Helen Garner Australia

Elisabeth Holdsworth Australia

Linda Jaivin Australia

Gail Jones Australia

Evelyn Juers Australia

Thomas Keneally Australia

Nam Le Australia

James Ley Australia

Angelo Loukakis Australia

David Malouf Australia

Frank Moorhouse Australia

Peter Rose Australia

Rosie Scott Australia

John Tranter Australia

Kirsten Tranter Australia

Arnold Zable Australia

Lily Brett Australia/USA

Geraldine Brooks Australia/USA

Melitta Breznik Austria

Olga Flor Austria

Karl-Markus Gauß Austria

Thomas Glavinic Austria

Monika Helfer Austria

Klaus Hoffer Austria

Alois Hotschnig Austria

Michael Köhlmeier Austri

Robert Menasse Austria

Robert Pfaller Austria

Doron Rabinovici Austria

Christoph Ransmayr Austria

Kathrin Röggla Austria

David Schalko Austria

Robert Schindel Austria

Clemens J. Setz Austria

Marlene Streeruwitz Austria

Josef Winkler Austria

Daniel Kehlmann Austria/Germany

Tahmina Anam Bangladesh/UK

Ahmad Mostofa Kamal Bangladesh

Svetlana Alexievich Belarus

Valzhyna Mort Belarus/USA

Gie Bogaert Belgium

Saskia De Coster Belgium

Patrick De Rynck Belgium

Jozef Deleu Belgium

Laurent Demoulin Belgium

Charles Ducal Belgium

Joris Gerits Belgium

Jos Geysels Belgium

Luuk Gruwez Belgium

Thomas Gunzig Belgium

Peter Holvoet-Hanssen Belgium

Elisabeth Marain Belgium

Pierre Mertens Belgium

Bart Moeyaert Belgium

Elvis Peeters Belgium

Erik Spinoy Belgium

Jeroen Theunissen Belgium

Rik Torfs Belgium

Koen Van Bockstal Belgium

Walter van den Broeck Belgium

Miriam Van hee Belgium

David van Reybrouck Belgium

Annelies Verbeke Belgium

Paul Verhaeghe Belgium

Roel Verschueren Belgium

Erik Vlaminck Belgium

Georges Wildemeersch Belgium

Carl Norac Belgium/France

Joke van Leeuwen Belgium/Netherlands

Miljenko Jergović Bosnia

Marçal Aquino Brazil

Marcelo Backes Brazil

Rafael Cardoso Brazil

Bernardo Carvalho Brazil

João Paulo Cuenca Brazil

João Ubaldo Ribeiro Brazil

Luiz Ruffato Brazil

Paulo Scott Brazil

Georgi Gospodinov Bulgaria

Kapka Kassabova Bulgaria/Scotland

Patrice Nganang Cameroon

Margaret Atwood Canada

Ken Babstock Canada

Cory Doctorow Canada

Yann Martel Canada

Colin McAdam Canada

Michael Ondaatje Canada

John Ralston Saul Canada

Madeleine Thien Canada

Arturo Fontaine Chile

Carla Guelfenbein Chile

Ariel Dorfman Chile/Argentina/USA

Lina Meruane Chile/USA

Liao Yiwu China

Héctor Abad Columbia

Oscar Collazos Columbia

Oscar Guardiola-Rivera Columbia

Antonio Ungar Colombia

Juan Gabriel Vásquez Colombia

Slavenka Drakulić Croatia

Nenad Popović Croatia

Dubravka Ugrešić Croatia

Leonardo Padura Fuentes Cuba

Iván de la Nuez Cuba/Spain

José Prieto Cuba/USA

Jaroslav Rudiš Czech Rep.

Niels Barfoed Denmark

Thomas Boberg Denmark

Suzanne Brøgger Denmark

Tom Buk-Swienty Denmark

Peter H. Fogtdal Denmark

Katrine Marie Guldager Denmark

Iselin C. Hermann Denmark

Peter Høeg Denmark

Sven Holm Denmark

Hanne Vibeke Holst Denmark

Carsten Jensen Denmark

Pia Juul Denmark

Peter Øvig Knudsen Denmark

Morten Kringelbach Denmark

Jørgen Leth Denmark

Ib Michael Denmark

Morten Ramsland Denmark

Morten Sabroe Denmark

Pia Tafdrup Denmark

Abdourahman Waberi Djibouti

Francisco Proaño Arandi Ecuador

Alaa al-Aswany Egypt

Nawal El Saadawi Egypt

Ahdaf Soueif Egypt

Mona Eltahawy Egypt/USA

Horacio Castellanos Moya El Salvador

Monika Fagerholm Finland

Jarkko Tontti Finland

KjellWestö Finland

Jean-Jacques Beineix France

Céline Curiol France

Marie Darrieussecq France

Philippe Djian France

Lionel Duroy France

Mathias Énard France

Jérôme Ferrari France

Anne-Marie Garat France

Laurent Gaudé France

Pascale Hugues France

Alban Lefranc France

Roger Lenglet France

Virginie Lou-Nony France

Jean Mattern France

Betty Mialet France

Catherine Millet France

Frédéric Mitterrand France

Hélène Neveu Kringelbach France

Philippe Pozzo di Borgo France

Flore Vasseur France

Martin Winckler France/Canada

Jonathan Littell France/USA

Friedrich Ani Germany

Michael Augustin Germany

Anke Bastrop Germany

Ulrich Beck Germany

Artur Becker Germany

Josef Bierbichler Germany

Marica Bodrožić Germany

Mirko Bonné Germany

Ralf Bönt Germany

Nora Bossong Germany

Daniel Cohn-Bendit Germany

Daniela Dahn Germany

Liane Dirks Germany

Doris Dörrie Germany

Ulrike Draesner Germany

Kurt Drawert Germany

Tanja Dückers Germany

Carolin Emcke Germany

Sherko Fatah Germany

David Finck Germany

Julia Franck Germany

Franziska Gerstenberg Germany

Christoph Giesa Germany

Roman Graf Germany

Günter Grass Germany

Kerstin Grether Germany

Annett Gröschner Germany

Gert Heidenreich Germany

ChristophHein Germany

Thomas Hettche Germany

Paul Ingendaay Germany

Elfriede Jelinek Germany

Steffen Kopetzky Germany

Mareike Krügel Germany

Michael Krüger Germany

Michael Kumpfmüller Germany

Antje Kunstmann Germany

Katja Lange-Müller Germany

Benjamin Lauterbach Germany

Jo Lendle Germany

Michael Lentz Germany

Ulli Lust Germany

Angelina Maccarone Germany

Kristof Magnusson Germany

Sten Nadolny Germany

Christiane Neudecker Germany

Norbert Niemann Germany

Ingo Niermann Germany

Markus Orths Germany

Georg M. Oswald Germany

Inka Parei Germany

Annette Pehnt Germany

Antje Rávic Strubel Germany

Annika Reich Germany

Moritz Rinke Germany

Charlotte Roos Germany

Eugen Ruge Germany

Peter Schneider Germany

Erasmus Schöfer Germany

Ingo Schulze Germany

Hilal Sezgin Germany

Peter Sloterdijk Germany

Tilman Spengler Germany

Burkhard Spinnen Germany

Ulrike Steglich Germany

Hans-Ulrich Treichel Germany

Regula Venske Germany

Marius von Mayenburg Germany

Thomas von Steinaecker Germany

Gisela von Wysocki Germany

Jan Wagner Germany

Alissa Walser Germany

Theresia Walser Germany

Peter Weibel Germany

Florian Werner Germany

Roger Willemsen Germany

Ron Winkler Germany

Jan Christophersen Germany

Kwame Dawes Ghana/USA

Kostas Akrivos Greece

Petros Markaris Greece

Nina Rapi Greece

Thanassis Valtinos Greece

Edwidge Danticat Haiti/USA

Xu Xi Hong Kong/USA

Tibor Babiczky Hungary

Zsófia Balla Hungary

Zsófia Bán Hungary

Báthori Csaba Hungary

György Dragomán Hungary

Peter Esterhazy Hungary

Krisztián Grecsó Hungary

Noémi Kiss Hungary

László Krasznahorkai Hungary

Lajos Parti Nagy Hungary

Anna T. Szabó Hungary

Björk Iceland

Oddný Eir Iceland

Einar Már Guðmundsson Iceland

Hallgrímur Helgason Iceland

Bjarni Jónsson Iceland

Andri Snær Magnason Iceland

Steinnun Sigurðardóttir Iceland

Sjón Iceland

Jón KalmanStefánsson Iceland

Shahid Amin India

Amit Chaudhuri India

Tishani Doshi India

Naresh Fernandes India

Amitav Ghosh India

Ramchandra Guha India

Anjum Hassan India

Ranjit Hoskoté India

Raj Kamal Jha India

Ruchir Joshi India

Girish Karnad India

Mukul Kesavan India

Amitava Kumar India

Pankaj Mishra India

Kiran Nagarkar India

Jerry Pinto India

Arundhati Roy India

Arundhati Subramaniam India

Jeet Thayil India

Altaf Tyrewala India

Salil Tripathi India/UK

Suketu Mehta India/USA

Jabbar Yassin Hussin Iraq

Hassan Blasim Iraq/Finland

Najem Wali Iraq/Germany

Roddy Doyle Ireland

Colum McCann Ireland

Colm Tóibín Ireland/USA

Assaf Gavron Israel

David Grossman Israel

Etgar Keret Israel

Yitzhak Laor Israel

Sami Michael Israel

Amos Oz Israel

Zeruya Shalev Israel

Andrea Bajani Italy

Massimo Carlotto Italy

Erri de Luca Italy

Andrea di Carlo Italy

Umberto Eco Italy

Paolo Giordano Italy

Dacia Mariani Italy

Sabine Gruber Italy/Austria

Tosihiko Uji Japan

Elias Farkouh Jordan

Dominique Eddé Lebanon

Rawi Hage Lebanon/Canada

Ahmed Fagih Libya/Egypt

Ranga Yogeshwar Luxembourg

Nikola Madzirov Macedonia

Samson Kambalu Malawi

Tan Twan Eng Malaysia

Pierre Mejlak Malta

Rosa Beltrán Mexico

Sabina Berman Mexico

Carmen Boullosa Mexico

Ana Clavel Mexico

Alma Guillermoprieto Mexico

Valeria Luiselli Mexico

Angeles Mastretta Mexico

René Appel Netherlands

Abdelkader Benali Netherlands

Ronald Bos Netherlands

Ian Buruma Netherlands

Gerrit Bussink Netherlands

Saskia de Jong Netherlands

Job Degenaar Netherlands

Renate Dorrestein Netherlands

Rudolf Geel Netherlands

Arnon Grünberg Netherlands

Joke J. Hermsen Netherlands

Marjolin Hof Netherlands

Tjitske Jansen Netherlands

Liesbeth Lagemaat Netherlands

Thomas Lieske Netherlands

Geert Mak Netherlands

Nelleke Noordervliet Netherlands

Ester Naomi Perquin Netherlands

Aleid Truijens Netherlands

Manon Uphoff Netherlands

Jan van Mersbergen Netherlands

Anne Vegter Netherlands

Pip Adam New Zealand

Tim Corballis New Zealand

Nicky Hager New Zealand

Ingrid Horrocks New Zealand

Lloyd Jones New Zealand

Elizabeth Knox New Zealand

Bill Manhire New Zealand

Courtney Sina Meredith New Zealand

Sarah Quigley New Zealand

Anna Sanderson New Zealand

C. K. Stead New Zealand

Susan Pearce New Zealand/UK

Helon Habila Nigeria

Chika Unigwe Nigeria

Olumide Popoola Nigeria/Germany

Jostein Gaarder Norway

Per Petterson Norway

Mohsin Hamid Pakistan

Ahmed Rashid Pakistan

Kamila Shamsie Pakistan/GB

Suad Amiry Palestine

Mourid Barghouti Palestine

Najwan Darwish Palestine

Nathalie Handal Palestine

Raja Shehadeh Palestine

Adania Shibli Palestine

Ghassan Zaqtan Palestine

Ala Hlehel Palestine/Israel

Santiago Roncagliolo Peru

Miguel Syjuco Philippines/Canad

Ignacy Karpowicz Poland

Beata Stasińska Poland

Witold Szabłowski Poland

Olga Tokarczuk Poland

Pedro Rosa Mendes Portugal

Mircea Cărtărescu Romania

Vladimir Aristov Russia

Alan Cherchesov Russia

Victor Erofeyev Russia

Alisa Ganiyeva Russia

Dmitri Golynko Russia

Alexander Ilichevsky Russia

Sergei Lebedev Russia

Stanislav Lvovsky Russia

Mikhail Shishkin Russia

Alexander Skidan Russia

Alexander Snegiryov Russia

Cheikh Hamidou Kane Senegal

David Albahari Serbia

Bora Ćosić Serbia/Croatia

Michal Hvorecký Slovakia

Gabriela Babnik Slovenia

Aleš Čar Slovenia

Aleš Debeljak Slovenia

Mojca Kumerdej Slovenia

Miha Mazzini Slovenia

Dušan Šarotar Slovenia

Aleš Šteger Slovenia

Nuruddin Farah Somalia/South Africa

Breyten Breytenbach South Africa

Antjie Krog South Africa

Zakes Mda South Africa

Margie Orford South Africa

Henrietta Rose-Innes South Africa

Gillian Slovo South Africa

Ivan Vladislavić South Africa

Zukiswa Wanner South Africa

Hwang Sok-Yong South Korea

Ricardo Bada Spain

Javier Cercas Spain

Rafael Chirbes Spain

Juan Goytisolo Spain

Julio Llamazares Spain

Javier Marías Spain

Antonio Muñoz Molina Spain

Rosa Montero Spain

Javier Salinas Spain

José F. A. Oliver Spain/Germany

Romesh Gunesekera Sri Lanka

Jamal Mahjoub Sudan

Arne Dahl Sweden

Per Olov Enquist Sweden

Aris Fioretos Sweden

Jan Guillou Sweden

Björn Larsson Sweden

Henning Mankell Sweden

Håkan Nesser Sweden

Tomas Tranströmer Sweden

Svante Weyler Sweden

Melinda Nadj Abonji Switzerland

Sybille Berg Switzerland

Peter Bieri Switzerland

Irena Brežná Switzerland

Iso Camartin Switzerland

Alex Capus Switzerland

Martin Dean Switzerland

Catalin Florescu Switzerland

Christian Haller Switzerland

Reto Hänny Switzerland

Eveline Hasler Switzerland

Franz Hohler Switzerland

Pedro Lenz Switzerland

Charles Lewinsky Switzerland

Klaus Merz Switzerland

Julian Schütt Switzerland

Peter Stamm Switzerland

Alain Sulzer Switzerland

Urs Widmer Switzerland

Hala Mohammed Syria

Abdulrazak Gurnah Tanzania/UK

Rattawut Lapcharoensap Thailand/US

Tahar Bekri Tunesia/France

Yasar Kemal Turkey

Murathan Mungun Turkey

Orhan Pamuk Turkey

Buket Uzuner Turkey

William Boyd UK

Akkas Al-Ali UK

Tariq Ali UK

David Almond UK

Martin Amis UK

Julian Barnes UK

John Berger UK

William Boyd UK

John Burnside UK

Louis de Bernières UK

Isobel Dixon UK

Joanne Harris UK

Kazuo Ishiguro UK

Pico Iyer UK

Stephen Kelman UK

Hari Kunzru UK

Ian McEwan UK

Stella Newman UK

Martin Rowson UK

Will Self UK

Owen Sheers UK

Philip Sington UK

Tom Stoppard UK

Adam Thirwell UK

David Vann UK

Nigel Warbuton UK

Irvine Welsh UK

Jeanette Winterson UK

Rana Dasgupta UK/India

Anjali Joseph UK/India

Nikita Lalwani UK/India

Fadia Faqir UK/Jordan

Hanif Kureishi UK/Pakistan

Lionel Shriver UK/US

Myroslav Marynovych Ukraine

Oksana Zabuzhko Ukraine

John Ashbery USA

Paul Auster USA

Elise Blackwell USA

T. C. Boyle USA

Alexander Chee USA

Billy Collins USA

Don DeLillo USA

Colin Dickey USA

Jennifer Egan USA

Dave Eggers USA

Elizabeth Eslami USA

Jeffrey Eugenides USA

Richard Ford USA

George Dawes Green USA

Joe Hurley USA

Elizabeth Kostova USA

Adrian Nicole LeBlanc USA

Jonathan Lethem USA

Barry Lopez USA

Ben Marcus USA

Tyler McMahon USA

Maaza Mengiste USA/Ethiopia

Claire Messud USA

David Mitchell USA

Josip Novakovich USA

George Packer USA

Tim Parrish USA

Richard Powers USA

Domnica Radulescu USA/Romania

James Salter USA

Sapphire USA

Richard Sennett USA

Jane Smiley USA

Anne Waldman USA

Alice Walker USA

Eliot Weinberger USA

Jeffrey Yang USA

Aleksandar Hemon USA/Bosnia

Brian Chikwava Zimbabwe

Henry Porter, UK

Ha Jin, China/USA

Peter Godwin (Zimbabwe), president of US PEN

Jorie Graham (US)

Ben Okri (Nigeria)



Leia Mais ►

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

As ruas em movimento e a democracia direta.

Entrevista especial com Bruno Lima Rocha
Instituto Humanitas - UNISINOS - 09/12/2013



"Hoje precisamos de uma cultura política que desconstrua lideranças carismáticas e devote ao coletivo e ao indivíduo associado, organizado em grupos de interesse ou de ideias, o protagonismo da política", afirma o jornalista e cientista político.


“Precisamos de modelos democráticos nos quais o tempo social seja compartilhado também com a participação política, além do lazer (ócio criativo), do descanso e do processo produtivo. Isso só se assegura com a democracia de tipo direto, participativo, deliberando em coletivo e formando politicamente uma ampla parcela da população. A democracia representativa está superada porque a figura do tribuno como alguém acima, e não a serviço de quem o elegeu, é algo próximo do absurdo. Hoje precisamos de uma cultura política que desconstrua lideranças carismáticas e devote ao coletivo e ao indivíduo associado, organizado em grupos de interesse ou de ideias, o protagonismo da política.” A análise é do professor Bruno Lima Rocha, que concedeu entrevista por e-mail à IHU On-Line.

De acordo com ele, vivemos hoje uma crise de representação, marcada pela ausência de instrumentos de democracia direta e por uma prática política voltada à governabilidade — portanto, caracterizada pelo barramento das mobilizações sociais. “É preocupante imaginar que as únicas esquerdas válidas para o Estado brasileiro venham a ser as agrupações eleitorais de todo tipo, as que reforçam o modelo de intermediação, o partido de tipo burguês, ou quando muito uma vanguarda autoconvocada que insiste na ‘tática’ eleitoral.

O conceito dos Black Blocs é — por sua natureza — pulverizado, e os governos de turno estão reprimindo uma nova cultura política, apenas isso. Temos de pensar na violência sistemática da repressão de uma polícia militarizada e que encara a população como sendo um alvo e suspeito permanente. No Brasil, a segurança é patrimonial e voltada contra a pobreza. A revolta das ruas é decorrente desta percepção, e não o contrário”, destaca.

Bruno Lima Rocha é cientista político, com mestrado e
doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e jornalista graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. É professor de Relações Internacionais na ESPM-Sul e de Comunicação Social – Jornalismo na Unisinos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual foi a contribuição dos protestos pela redução do preço das passagens ocorridos no início de 2013 em Porto Alegre para as manifestações que eclodiram pelo país em junho?

Total. Se não houvesse os protestos, aliás, organizados todos os anos a partir do verão de 2005, as passagens urbanas em Porto Alegre não teriam sofrido a redução. Assim, podemos analisar uma situação clássica. O protesto social levou a um impasse político, considerando que a Justiça se viu obrigada a intervir, “emparedando” o prefeito José Fortunatti (PDT). Repito, se não fosse a mobilização convocada pelo Bloco de Lutas e o empenho das forças político-sociais que o compõem, nada haveria acontecido. Lembro-me de haver escutado nas maiores emissoras de rádio do estado declarações tanto do prefeito como do vice (Sebastião Melo, PMDB) afirmando que o aumento era inexorável. Ou seja, o Poder Executivo da capital não retrocederia mesmo tendo a maior parte dos votos no conselho que executa ou refuta os aumentos. Uma vez que houve esta vitória pontual, como se diz na política, “abriu a porteira”, criou-se um precedente, levando o exemplo para São Paulo e Rio. Uma vez que o início dos protestos organizados pelo Movimento Passe Livre (MPL-SP) sofreu uma brutal repressão da Polícia Militar naAvenida Paulista — sendo que o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) comanda a PM e a causa tinha como alvo o aumento aprovado pelo [prefeito paulistano e] ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT) —, percebeu-se a unidade política para conter as forças sociais e políticas (à esquerda da tal da governabilidade). O resultado, com o advento dos atos no Rio — sendo que tanto o governo fluminense como o carioca também são alvos de investigação e escândalos de grande envergadura —, foi a nacionalização das manifestações e sua decorrente radicalização.

IHU On-Line - A partir desta pressão popular e de um pedido de liminar protocolado pelo PSOL, o juiz Hilbert Maximiliano Obara, da 5ª Vara Judicial da Fazenda Pública, suspendeu em abril o reajuste das tarifas alegando "fortes indícios" de aumento abusivo. A decisão do magistrado tem mérito individual ou é um indicativo de que a voz das ruas está pressionando o imobilismo estatal?

Mérito coletivo. Eu sempre afirmei que considerava “menos utópico” querer estabelecer outra forma de vida em sociedade, querer uma revolução social ou transformação radical e profunda, do que reformar o sistema capitalista com idealismo de tipo liberal radical ou jacobino. É certo que o juiz procedeu de forma correta, mas sem a pressão popular e a falta da legitimidade do aumento — reforçada com as suspeitas sobre a nota técnica do ano anterior — e a recusa das concessionárias em abrirem suas planilhas, deram-se as condições técnicas para a execução de algo que já havia sido ganho na rua. Uma ação de estilo jacobino — aliás, corretíssima — como a das operações federais a respeito de supostos crimes contra o Estado e o mercado financeiro, levadas a cabo pelo ex-delegado federal Protógenes Queiroz (hoje deputado federal pelo PCdoB/SP) e com o aval do juiz Fausto de Sanctis, resultou numa reversão de expectativas e na punição dos operadores policiais e jurídicos. Quando o que está em jogo é o interesse popular, só as ruas decidem, e, por vezes, o Poder Judiciário pode acompanhar ou o Poder Executivo vir a reverter uma decisão já tomada em função do ônus político daí decorrente.

IHU On-Line - As manifestações de junho também foram precedidas pelos protestos durante a Copa das Confederações — no jogo de abertura, em Brasília, e nas partidas seguintes do Brasil. Estes protestos pediam menos recursos para os megaeventos e mais recursos para a saúde e a educação. Como eles contribuíram para as manifestações seguintes, organizadas principalmente pelo Movimento Passe Livre?

Esta parte da jornada de protestos é muito interessante. Os Comitês Populares da Copa iniciaram ainda em 2010 e eram coordenações de entidades de base e ativistas remando contra a maré do ufanismo advindo da escolha do país como sede do evento da FIFA em 2014 e do COI [Comitê Olímpico Internacional] em 2016. Mas, a partir do mau exemplo e das más consequências da Copa do Mundo da África do Sul para a população mais pobre do país — estive lá em um congresso em julho de 2012 e constatei os efeitos, além de ter contato com vasta literatura a este respeito —, somado ao aumento da navegação por internet, fazendo com que as minorias organizadas tivessem uma base de recepção, opinando a respeito do tema para além da “futebolização” cotidiana, vimos algo inimaginável no país.

Nunca se imaginou um movimento de multidões protestando contra a realização de um evento esportivo no Brasil, menos ainda um evento teste para a Copa do Mundo. Isto representa um câmbio na cultura política do país, encerrando a estampa de que vivemos de “pão e circo” ou então do “futebol como ópio do povo”. É interessante observar que tais manifestações não eram contra o esporte como cultura de massas, mas julgavam — e seguem julgando — inapropriadas as exigências da FIFA e os gastos decorrentes.

Os protestos e a questão da Copa no Brasil foram reforçados pelo evento do Pan-americano do Rio, em 2007, quando o orçamento estourou, as obras não foram bem feitas (vide a cobertura do estádio do Engenhão) e houve uma explosão de violência policial na cidade do Rio e em sua área metropolitana (conhecida como Rio Body Count). Ah, não podemos nos esquecer da tentativa de demolição do conjunto arquitetônico do Maracanã (Estádio Célio de Barros, Parque Aquático Júlio Delamarque, Aldeia Maracanã), cuja resistência ganhou visibilidade e expôs relações pouco ou nada ortodoxas entre o Poder Executivo do Rio e os grupos interessados na gerência da obra após sua privatização. Mudou a pauta do país, e isso é uma vitória do movimento popular e mérito dos pioneiros que organizaram os Comitês Populares da Copa.

IHU On-Line - Este conjunto de manifestações tem alguma relação com os protestos realizados em outubro em São Paulo e no Rio de Janeiro, marcados pela violência?

Sim, tem sim. Observe-se que, no Rio, a luta se qualifica com a junção do Sindicato Estadual dos Profissionais em Educação (SEPE) e os manifestantes de junho. O aumento da violência policial eleva a capacidade de resposta da utilização da tática conhecida como “Black Bloc”. Já em São Paulo, os protestos mais populares têm o perfil típico da revolta das periferias ou então dos movimentos em defesa da moradia. Não posso esconder o fato de que, por vezes, são convocados protestos de forma desvinculada da luta popular mais cotidiana (como a dos trabalhadores em educação), mas, se tomarmos o Rio como epicentro da continuidade após julho, a situação lá se assemelha ao narrado no filme Tropa de Elite 2.

Há uma percepção de conluio e corrupção endêmica entre o poder político e o agente econômico (como no episódio lamentável do Papódromo, conhecido também como Piscinão de Guaratiba), e esta ideia atravessa os protestos, assim como a CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] na Câmara de Vereadores [do Rio de Janeiro] a respeito dos concessionários de linhas de ônibus. A violência no Rio explode também em função da desaparição forçada do pedreiro Amarildo e do agendamento desta luta. A palavra de ordem “a polícia que reprime na avenida é a mesma que mata na favela” unifica setores importantes e gera uma identidade comum.

IHU On-Line - Dentro desta perspectiva, é possível apontar para onde a democracia representativa irá nos levar?

Para onde já estamos. Uma crise de representação, a ausência de mecanismos de tipo democracia direta — por isso a tragédia da ausência dos elementos de democracia eletrônica de forma plebiscitária que constavam no relatório original da reforma política — e o reforço da lógica do descolamento do representante para os supostos representados. Infelizmente, no jogo real, assume-se a máxima que “voto é marketing, o resto é política”. A democracia representativa gera o pacto pela tal da governabilidade e necessita do estancamento das mobilizações populares.

IHU On-Line - E a violência poderá nos levar para onde?

A violência policial elevou o nível de protesto no Brasil e isso pode implicar uma escalada repressiva e de perseguição política como a que já estamos vivendo em forma inicial aqui no Rio Grande do Sul e noRio de Janeiro. É preocupante imaginar que as únicas esquerdas válidas para o Estado brasileiro venham a ser as agrupações eleitorais de todo tipo, as que reforçam o modelo de intermediação, o partido de tipo burguês, ou quando muito uma vanguarda autoconvocada que insiste na “tática” eleitoral. O conceito dos Black Blocs é — por sua natureza — pulverizado, e os governos de turno estão reprimindo uma nova cultura política, apenas isso. Temos de pensar na violência sistemática da repressão de uma polícia militarizada e que encara a população como sendo um alvo e suspeito permanente. No Brasil, a segurança é patrimonial e voltada contra a pobreza. A revolta das ruas é decorrente desta percepção, e não o contrário.

IHU On-Line - A democracia representativa está superada?

Sim e não. Não está porque é um instrumento considerado válido pela maior parte das forças políticas. E sim porque esta democracia não garante o mando do povo (demo + cratos) como nos explicam os radicais gregos do termo. Precisamos de modelos democráticos nos quais o tempo social seja compartilhado também com a participação política, além do lazer (ócio criativo), do descanso e do processo produtivo. Isso só se assegura com a democracia de tipo direto, participativo, deliberando em coletivo e formando politicamente uma ampla parcela da população. A democracia representativa está superada porque a figura do tribuno como alguém acima, e não a serviço de quem o elegeu, é algo próximo do absurdo. Hoje precisamos de uma cultura política que desconstrua lideranças carismáticas e devote ao coletivo e ao indivíduo associado, organizado em grupos de interesse ou de ideias, o protagonismo da política.

IHU On-Line - É possível conceber um modelo de organização política democrática sem a presença de partidos?

Sem partidos de tipo burguês, de tipo intermediário, sim. Sem vanguardas autoeleitas e autoimbuídas da liderança da classe ou qualquer outra sensação semelhante de “destino histórico”, também. Sem minorias organizadas, ideológica e politicamente organizadas, não. Precisamos de organizações políticas não eleitorais para que a população entenda que a política pode estar a serviço das maiorias, trabalhar para organizar o tecido social e não tomar proveito de suas expressões sociais.

IHU On-Line - Qual é a contribuição do anarquismo para as manifestações de junho e de outubro?

São dois temas distintos. Já afirmei em outras ocasiões que o anarquismo organizado, o anarquismo que se manifesta através da Coordenação Anarquista Brasileira (CAB), é diretamente responsável pela existência mesma das manifestações. Não se trata de hegemonia, mas de influência, de participação direta, de trabalho de base de no mínimo uma década, de haver insistido na rearticulação do tecido social mesmo durante o “co-governo” atual (Lula e Dilma). Esta é a contribuição do anarquismo conhecido como de linha especifista, ou organicista, ou organizado politicamente.

Já o emprego da tática conhecida como Black Bloc não passa pelas federações ou coletivos filiados na CAB, mas sofre influência da transmissão de símbolos advindos da chamada autonomia europeia, que depois deriva para os protestos antiglobalização (como Seattle 1999 e Gênova 2001) e assume o emprego atual. As denúncias da violência cotidiana são parte constitutiva do pensamento anarquista desde sua estruturação na ala federalista da 1ª Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT, 1864-1871), quando o pensamento político que entende a liberdade individual e coletiva como confluentes com a justiça social e a igualdade de direitos se expressa por dentro das lutas operárias e populares da época. Como o anarquismo também é a expressão ideológica do antimilitarismo, este conjunto de ideias fornece os elementos para expressar estas denúncias.

IHU On-Line - Como se manifestam as violências praticadas pelo Estado e pela organização do capital no cotidiano?

Creio que parte desta pergunta eu respondi antes. Mas posso reforçar que o modelo pós-fordista, que nos obriga a trabalhar, estar conectados, estudar em turnos extras e fazer cursos de formação infindáveis, acaba operando como elemento de violência, sujeitando os sentidos, uma versão cibernética do queFoucault conceitua como a subordinação dos corpos para o mundo do trabalho — ou para a ação militar. As violências do Estado no cotidiano são visíveis, e por isso mesmo os brasileiros têm uma péssima apreciação das polícias visíveis. Já o mundo do trabalho nos força a pensar de forma individual, nos atomiza, nos fragmenta, gera a “individuação”, fruto da fragmentação social. Eu diria que a violência do modelo pós-fordista é mais constrangedora do que a violência física da repressão policial ou das formações paralelas, como as redes de narcotráfico ou os para-policiais (a exemplo das milícias no Rio).

IHU On-Line - Gostaria de comentar algum ponto adicional?

Entendo que o debate a respeito da soberania popular e do destino coletivo está seriamente ameaçado pela crescente criminalização dos protestos sociais no Brasil. É preciso atenção sobre o tema e um posicionamento político. 2014 não será um ano tranquilo para o país, em todos os sentidos.


Leia Mais ►