segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Opinião dos Yanomami sobre Desenvolvimento Sustentável

Hutukara Associação Yanomami - HAY Rua Capitão Bessa, 143 – B. São Pedro - CEP 69.306-620 Boa Vista – Roraima - Fone/Fax: 95 3224-6767 CNPJ nº. 07.615.695/0001-65 E-mail: hutukara@yahoo.com.br






Vocês, brancos, dizem que nós, Yanomami, não queremos o desenvolvimento. Falam isso porque não queremos a mineração em nossas terras, mas vocês não estão entendendo o que estamos dizendo. Nós não somos contra o desenvolvimento: nós somos contra apenas o desenvolvimento que vocês, brancos, querem empurrar para cima de nós. O desenvolvimento que vocês falam em nos dar não é o mesmo que conhecemos: vocês falam em devastar a nossa terra-floresta para nos dar dinheiro, falam que somos carentes, mas esse não é o desenvolvimento que nós conhecemos. Para nós desenvolvimento é ter nossa terra com saúde, permitindo que nossos filhos vivam de forma saudável num lugar cheio de vida. 


 Nós Yanomami entendemos muito bem sobre esse assunto e ficamos apenas preocupados com aqueles que dizem representar todo nosso povo e pedem por mineração. São pessoas que ficam pensando como as mineradoras funcionam, pensam que elas não devastam a floresta, mas não entendem o que realmente vai ocorrer. A mineração não é como o garimpo, não são pessoas que entram na floresta e degradam apenas algumas regiões. A mineração precisa de estradas para transportar os minérios, precisa de grandes áreas para guardar a produção, precisa de locais para alojar os funcionários, fará grandes buracos na terra que não deixarão a nossa floresta voltar a se recuperar. 

                                


Entendemos como as mineradoras atuam, não pensem que confundimos seu trabalho com o dos garimpos. Conhecemos muito bem a diferença, morremos muito na época do garimpo ilegal em nossa terra, sabemos as diferenças. Sabemos que as mineradoras vão precisar de energia para funcionar. De onde virá essa energia para fazer as máquinas funcionarem? Como vocês transportarão os minérios? Quando os minérios mais valiosos terminarem e as mineradoras forem embora, o que acontecerá com os trabalhadores que foram até a terra indígena? Quando transformarem e produzirem minério, quais são os resíduos que podem contaminar nossa terra por muito tempo? 


Vocês falam que somos pobres e que nossa vida vai melhorar. Mas o que vocês conhecem da nossa vida para falar o que vai melhorar? Só porque somos diferentes de vocês, que vivemos de forma diferente, que damos valor para coisas diferentes, isso não quer dizer que somos pobres. Nós Yanomami temos outras riquezas deixadas pelos nossos antigos que vocês, brancos, não conseguem enxergar: a terra que nos dá vida, a água limpa que tomamos, nossas crianças satisfeitas. 


Vocês brancos pensam que nós somos pássaros, ou somos cotias, para nos darem apenas o direito a comer os frutos que nascem em nossas terras? Não pensamos as coisas de forma dividida, pensamos na nossa terra-floresta como um todo. Se vocês destruírem o que está abaixo do solo, tudo que está acima também sofrerá.


 Não estamos preocupados apenas com o que vai acontecer com os povos indígenas. Vocês pensam que os brancos não serão afetados? Vocês não aprendem com o que está acontecendo no mundo? Está ficando mais quente, em outros lugares o clima está mudando, os grandes rios estão morrendo, os animais também estão morrendo e todos estão sofrendo. Vocês ainda não aprenderam que esse tipo de desenvolvimento pode matar todos nós?


Não somos apenas nós, povos indígenas, que vivemos na nossa terra. Vocês querem perguntar a todos os moradores da floresta o que eles acham sobre a mineração? Então perguntem aos animais, às plantas, ao trovão, ao vento, aos espíritos xapiri, pois todos eles vivem na floresta. A floresta também pode se vingar de nós, quando ela é ferida. 


Sabemos que as leis do Brasil dizem que o subsolo da terra pode ser explorado. Mas queremos garantir nosso direito de escolher o que é melhor para nós, como as próprias leis brasileiras garantem. Não pensamos que todos os povos indígenas são contra a mineração: alguns não querem, outros querem. Mas queremos que seja discutido primeiro o Estatuto das Sociedades Indígenas, porque as palavras do nosso Estatuto já estão muito velhas. Queremos isso para garantir nosso direito de escolher. 


Nós sabemos que existem muitos interesses, mais fortes do que políticos, para fazer a mineração em nossa terra. São interesses de quem tem muito dinheiro, de quem quer ganhar muito mais dinheiro. Nós sabemos que não querem nos ajudar, eles dizem apenas que querem nos ajudar, que farão escola, darão assistência à saúde, darão luz, mas sabemos que por trás dessas palavras falsas está o desejo de fazerem crescer seu dinheiro. Eles podem enganar outras pessoas, mas não nos enganam. 


Nós Yanomami não queremos mineração, não queremos que ela seja feita em nossa terra. Nós já nos manifestamos contrários à Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), que o governo criou mas resolveu ignorar criando, depois, a Comissão Especial para discutir a lei de mineração em terras indígenas. Se vocês brancos mostrarem um lugar onde os povos indígenas vivem realmente bem com a mineração, um lugar onde vivem com saúde, respeitando suas culturas, onde os brancos os ajudem de forma correta e não os enganem ao darem dinheiro, onde não passem fome e onde não passem sede, se virmos esse lugar, do mesmo tamanho que nossa terra-floresta, podemos voltar a discutir esse assunto. 


Vocês estão realmente escutando nossas palavras? Vocês, brancos, realmente escutaram nossas palavras, as palavras do povo da floresta?





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O poder na sombra

Publicado originalmente em Outras Palavras
em 19/09/2013    http://outraspalavras.net/posts/o-poder-na-sombra




Imagem do filme "Metrópolis", 1927, de Fritz Lang


A recente intimidação do GCHQ, a inteligência secreta inglesa, ao jornal The Guardian e a invasão da NSA, a inteligência secreta dos EUA, nos arquivos da Petrobrás é uma boa 
ocasião para refletirmos sobre terrorismo, livre-mercado, democracia, liberdade de expressão e independência de imprensa. Não é nenhum absurdo dizer que nossa época apresenta ao menos dois tipos de terrorismo, o disseminado e o concentrado. O primeiro está a cargo de grupos como Taliban, Al-Qaeda e outros. Empregam a violência extrema
Militante Taliban
em nome de Deus ou da Nação, quando não em nome de ambos, e o resultado é a morte de inocentes, como no Afeganistão, Síria, Líbano e Iraque, só para ficarmos nos exemplos mais atuais. Prometem democracia e a melhora das condições de vida em seus territórios, mas ao tomar o poder promovem o terror contra seus inimigos e exploram ao máximo a população sob seu jugo. É o velho bordão: em nome da liberdade e da democracia são cometidos os maiores crimes contra a humanidade.

O terrorismo concentrado é o exercido pelos Estados, é o terror oficial, com lei e banda de música. Os EUA de hoje são o exemplo acabado do que queremos dizer, a Inglaterra fica só um pouquinho atrás. Não é apenas gratidão pelo apoio recebido na Segunda Guerra Mundial, é sobretudo alinhamento político, econômico e financeiro com a grande potência para extrair mais e melhores dividendos. Ao invadir o Iraque em apoio ao seu antigo aliado, por trás da máscara do servilismo, garantia também para si as benesses do petróleo e futuros ganhos de mercados desbravados militarmente pelo Grande Irmão. Alguns analistas classificam isso de nova face do imperialismo, outros de neocolonialismo. O nome não importa, é o velho movimento expansionista do Capitalismo versão ocidental, cuja índole se assemelha à invasão das Américas. Após a invasão aqui em foco, Toni Blair veio a público dizer o que todo o mundo já sabia, o Iraque não tinha armas químicas e biológicas... Antigamente isso seria suficiente para derrubar seu gabinete.

Os EUA, assim como muitos Estados nesta época de nuvem informática, estão desenvolvendo uma rede imperial de acesso às informações privadas, coisa que Bancos, lojas de departamento, redes de telefonia, provedores e hospedeiros de informática, a Polícia e a Receita Federal já vêm fazendo há muitos anos. Desse ninho de serpentes, Snowden extraiu as provas dos crimes praticados pelos EUA em nome de uma suposta guerra ao terror. O dedo de Snowden, como na
 
Soldado dos EUA em Abu Ghraib
fábula infantil, mostrou a falácia da ideologia liberal, que desde a Revolução Francesa se apoia em conceitos como democracia e livre-mercado. John Gray, em “Falso Amanhecer – Equívocos do Capitalismo Global”, já havia denunciado a contradição de uma liberdade de mercado organizada pela intervenção legal do Estado. A acusação feita por seu ex-agente da inteligência apenas forneceu a prova material do crime. Mas possui o condão de deixar nu o Rei e de fulminar qualquer argumento a favor do livre-mercado. A investigação ilegal dos arquivos da Petrobrás escancara as ligações profundas entre os agentes capitalistas e o Estado, seus métodos mostram que além de guerras quentes em Golfos, há também uma soturna guerra fria, invisível, cuja índole expressa a outra face da natureza capitalista. É a velha e sempre atualizada guerra comercial. O dedo acusador da roupa transparente do Rei é o fim do conceito de livre-mercado e elimina qualquer reflexão de ética associada ao sistema econômico Capitalista, justamente por este não se estruturar a partir de princípios éticos nem conter em seu horizonte de ação qualquer objetivo social. No início dos anos 1970, a revelação de espionagem do diretório do partido Republicano por parte do governo Nixon resultou na queda deste. Mas alguma coisa, que vamos tentar saber qual é, não permitiu ou não forçou a queda de Blair nem de Bush nem de Obama. Por quê?

"A guerra ao terror"

Muito já se falou que o 11 de Setembro, se não foi obra
11 de Setembro
arquitetada pelos próprios Falcões na Casa Branca, foi o motivo esperado pelos EUA para uma nova investida militar, com o objetivo de abrir novos mercados e consolidar sua geopolítica. Os Estados Unidos, através de Bush, se declararam em guerra contra Osama bin Laden e, por extensão, contra o terrorismo não estatal de certas forças da Ásia e do Oriente Médio. Foi uma declaração unilateral contra uma organização, numa curiosa assimetria, pois a guerra quente é sempre Estado contra Estado, ou uma força dentro dele contra ele mesmo, como a da Secessão, por exemplo. Mas servia aos propósitos de vender armas dos fabricantes apoiadores da eleição de Bush, garantir o fornecimento maior e mais barato de petróleo e realizar o avanço estratégico sobre uma região com centenas de milhões de consumidores. Nesse movimento, patrolaram as determinações da ONU, passaram por cima da recomendação dos países contrários à invasão, mataram milhares de civis inocentes, destruíram parte da riqueza do país (para a reconstrução com dinheiro a juros de banqueiros ocidentais e a instalação de empresas dos aliados de seu governo), torturaram soldados (que haviam elegido como "inimigos" sem ter recebido deles nenhuma agressão), entre outras arbitrariedades. Numa só expressão: rasgaram as leis no império de seus interesses. E a Inglaterra atrás. O 11 de setembro serviu como o grande ponto de virada na democracia anglófila, com o consequente avanço do terrorismo de Estado e a diminuição das garantias individuais.

Que democracia?

No colegial nos espantamos ao estudar a democracia ateniense, as decisões tomadas na ágora por um punhado de atenienses livres não levavam em conta a vontade nem as condições da imensa maioria da população, pelo simples motivo de que eram escravos. Ou seja, democracia de alguns para alguns, vamos tratar disso mais adiante.


Hoje, se quisermos falar no mesmo tom daqueles que fizeram e ainda fazem a política, a realpolitik, deixando de lado todo traço quixotesco de idealismo, os dois grandes modelos que prenderiam nossa atenção deveriam ser, inevitavelmente, as experiências dos ingleses e dos norte-americanos, ou a democracia anglófila. São séculos contínuos desse regime político. A Ásia, a América Latina e a Central, a Oceania, a África, qual continente poderia exibir melhor experiência para estudo? Não entrariam nem a Alemanha nazista, a Itália fascista, a Espanha de Franco nem o Portugal salazarista. Quando falamos em bastiões da democracia, nos referimos sempre a esses dois países, nenhum outro, em que pesem a experiência colonial inglesa tradicional e o modelo colonial contemporâneo dos EUA, nenhum outro pode apresentar uma folha corrida de tantos serviços prestados aos defensores da vontade popular.


Leis queimadas pelos E$tado$
Pois bem, como podem as duas sociedades com a experiência mais larga nesse regime assistir impassíveis a seus mandatários rasgarem as leis das garantias individuais através de práticas totalitárias? Quando o mundo assiste impassível essa escalada do terror concentrado de Estados ocidentais, os partidários da realpolitik já podem estufar o peito e dizer, como os generais da última ditadura brasileira: vivemos numa democracia relativa.

O relativismo da democracia atual estaria caracterizado não apenas por essa prática invasiva no âmbito privado e no público, mas também por outra característica bem especial. Na época dos impérios, dos reis absolutistas, das ditaduras e dos totalitarismos, a escolha do mandatário do poder se deu pela força ou por acordos de camarilha, com o aval dos sacerdotes, das igrejas e mesquitas, dos suseranos, líderes provinciais, coronéis e apaniguados. Sem a participação do povo, a não ser como massa de manobra, como exemplificam as revoluções burguesas e o voto a cabresto. Mas as democracias relativas, conhecemos muito bem esse estado de coisas, têm o seu requinte: o sistema eleitoral. Aí está a pedra angular desse novo regime de império, cuja índole colonial parece ainda não ter se esgotado.

No ambiente político atual, onde os compradores de votos para reeleição e os mensalistas da governabilidade também agem livremente para assegurar os seus privilégios e os de seus apoiadores na sombra, podemos afirmar que a democracia age de baixo para cima apenas como apoio do que está no alto, para legitimar o exercício do poder. Mas, pelo que temos assistido nos últimos anos, por aqui e
sobretudo naquelas duas democracias seculares, nem as eleições nem as leis são suficientes para obrigar a conduta dos governantes. À exceção de um Collor, que caiu muito mais por vontade do Congresso brasileiro do que pela voz das ruas (o povo outra vez feito massa de manobra), os governantes nessas democracias relativas parecem garantir com os votos a impunidade; nada de muito grave lhes ocorrerá até o fim de seus mandatos. Democracia de baixo para cima é isso; de cima para baixo: autocracias, plutocracias oligarquias... O interesse do povo só é levado em conta quando se traduz em consumo, quando pode garantir lucro financeiro para as corporações e ganho político para os governos.

Mídia sem independência

Não vamos aqui trazer exemplos, basta acompanhar o noticiário da grande imprensa. A qualquer ameaça de restrição da liberdade de informar, com todo acerto, chovem protestos. Mas esse não é o ponto nevrálgico. Ao contrário, diríamos até que para os grandes órgãos de comunicação, como se dizia há algum tempo, a defesa da liberdade de expressão tem servido para uma estratégia cabotina de encobrimento de outro dado real. É verdade que algumas decisões judiciais, contra o bom senso e os dispositivos constitucionais, têm cerceado o direito público à informação, em especial nos assuntos que envolvem o Estado, seja na pessoa de seus servidores e governantes, seja nas políticas imperiais de guerra ou de favorecimento econômico, como foram os assaltos às economias atingidas pela crise de 2008, crise aliás provocada pelos agentes econômicos com a conivência dos governantes, em especial do bastião liberalista Alan Greenspan, para quem muitos queriam dar o Nobel de Economia...

O bom argumento, o da liberdade de expressão, tem no entanto se prestado para a chamada grande mídia escamotear um valor que nos parece tão ou mais importante: a independência da imprensa. Quando ela se alinha de maneira acrítica com um candidato; quando sempre
Grande imprensa: visão única
amplifica as más notícias do governo de um determinado partido; quando evita aprofundar assuntos polêmicos como os crimes ecológicos, a falta de abertura para bancos asiáticos, a descriminalização da maconha, a reforma agrária, etc.; quando evita qualquer apoio a políticas, valores e esforços dos "pequenos" contra os valores hegemônicos do Capitalismo; quando retira de seu horizonte a "cultura" em favor de produtos culturais meramente de consumo; quando evita escancarar condutas socialmente nocivas de seus patrocinadores; quando suprime a crítica aos políticos que apoiaram nas eleições passadas ou aos que ainda podem de alguma forma lhes ser úteis no futuro; quando não defende maior abertura de concessões para novos veículos de comunicação; quando se alinha e dissemina a política agressiva de um governo que lhe favorece; quando embarca em campanhas nacionalistas que servem para interesses de grandes corporações ou do governo com o qual tem trocas vantajosas; quando evita abordar os podres do grande concorrente ou até mesmo problemas internos como demissões em massa de seus quadros; quando se alinha ou silencia diante de um esforço de guerra injusta do Estado.

Quando a grande mídia, ao abandonar sua função primordial de fiscalização e crítica aos governos e às sociedades, se alinha com o poder em nome de seus lucros financeiros e de seu próprio empoderamento, ocorre o que podemos chamar de falta de independência. Então cabe a pergunta, sobretudo em sociedades de democracia relativa como são as nossas: de que vale a liberdade de expressão para uma mídia sem
Novas mídias
independência? Será que de fato faz tanta falta assim a liberdade de informar para esse tipo de jornalismo? Não parece mais um luxo para eles? Menos mal que esse vazio crítico vem sendo ocupado por uma mídia dissidente, através de publicações impressas, mas sobretudo revistas e jornais on-line e blogues. São espaços sem grandes recursos financeiros e logísticos, mas que têm aprofundado a reflexão dos temas espinhosos que a grande imprensa oculta ou aborda de maneira superficial. O multiculturalismo de nossa época, as tensões sociais, a busca de alternativas ao Capitalismo hegemônico, a crítica à própria imprensa, a discussão inteligente têm encontrado grande e generosa acolhida nessas “pequenas” mídias. Embora todos, grandes e pequenos, defendam seus interesses, notamos nesses novos espaços maior liberdade de expressão com mais independência. Não é por outro motivo que, volta e meia, ouvimos algum arauto do poder advogar a regulamentação da internet, o nosso pequeno grande reino da liberdade.

O poder na sombra

A conclusão inquietante de tudo isso é que já não importa mais derrubar o governo. Quando Nixon caiu em virtude de sua espionagem no Watergate, as corporações, em especial as financeiras (que recém começariam, no início dos anos 1970, a criar o que hoje conhecemos por mercado financeiro internacional), ainda não tinham atingido o grau de maturidade e força que só foi possível pela desregulamentação dos mercados e pela globalização. Até aí, com a chave do cofre num bolso e as séries de restrições legais ao capital no outro bolso, o presidente de uma grande potência como os EUA ainda não era apenas um mero agente de relações públicas. O mundo vivia à véspera da criação dos eurodólares via City de Londres, antes de Reagan e sua Guerra nas Estrelas e antes das privatizações de Thatcher e do consenso de Washington com o Bush pai, mas já iniciara o recuo das conquistas do Estado de bem-estar social. A acumulação de capital transbordou do bolso, as regras rígidas foram flexibilizadas, as corporações ganharam um gigantismo e um poder de corromper, impor e rasgar códigos como nunca tinha sido imaginado e muito menos admitido pelos políticos mais conservadores.

Hoje as corporações compram presidentes e ministros em todos os continentes, compram governos inteiros na África, fazem populações de países pobres cobaias de suas experiências com remédios e demais produtos farmacêuticos e alimentares, ainda ou sobretudo quando esses produtos,
Nova lógica do poder
com componentes cancerígenos, são proibidos em seus países de origem; hoje as corporações compram decisões judiciais, eliminam advogados, jornalistas, funcionários do ministério público, juízes, investigadores; hoje essas corporações indicam e demitem secretários de Estado, elegem deputados, apontam governadores e senadores; hoje elas decidem a ocasião e a intensidade das crises, e ainda escolhem os bodes expiatórios (as vítimas que devem ser chutadas para fora do mercado, como o Lehman Brothers); hoje esses agentes maquiam os balanços, driblam os impostos ou forçam sua redução, elegem paraísos fiscais e, com a conivência de seus congêneres financeiros, escolhem o melhor caminho para escapar da malha fina; e ainda compram o silêncio e até mesmo a conivência da grande imprensa corporativa, associada ao projeto comum de garantir o lucro máximo.

Hoje o poder está na mão dessas corporações, já não vale mais a pena forçar a queda de um governo, ainda mais se esse governo, além de corrupto e corruptor, está ali justamente para fazer o jogo que lhes interessa. Máfia? Teoria da Conspiração? Cada um escolha o nome que menos perturbe o seu sono, mas a verdade parece uma só: tenham o nome que tiver, são essas feras que, na sombra, governam muitos de nossos caminhos e decidem afinal a música que deve tocar.

Até quando será assim, se os movimentos sociais serão capazes de trocar o disco ao invés de dançar sempre conforme a música, não sabemos, mas que não vivemos num mundo plenamente democrático, disso já não resta a menor dúvida. E com o requinte das eleições (pois dessa válvula de escape, reguladora e legitimadora do sistema econômico, nem os donos do poder querem abrir mão) não precisam mais de césares, imperadores, reis, czares; nem mesmo de gente como Stálin, Hitler, Mussolini, Roosevelt, Getúlio, Perón & Cia., porque o enfraquecimento dos Estados nacionais (entenda-se: os Estados periféricos) e a representação política de fancaria realizam o trabalho sujo de aplainar o caminho para o avanço das corporações. Não nos iludamos, esse tipo de gente nunca gostou de democracia, e por uma razão muito simples: não gostam de povo, a não ser como massa consumidora e/ou de manobra. Será uma ditadura, um totalitarismo, essa democracia consentida e relativa? Mas já será outra forma de terrorismo disseminado. Em todo caso, não cheirará melhor do que hoje. Outro requinte: terão a sua imprensa livre...

Será que voltarão outros fantasmas como socialismo,

comunismo, revolução, ideologia, Estado forte, intelectuais orgânicos, luddismo...? Ou será que as sociedades, organizadas em torno de valores como cooperativismo, solidariedade,
Cooperativismo
compartilhamento e uma distribuição melhor da riqueza humana, tudo interligado a uma ética ecológica, conseguirão encontrar melhores alternativas a esse estado de coisas?

Quanto à intimidação ao The Guardian, foi para inglês ver... Quer dizer, foi para americano ver. O episódio na verdade é uma piada no tom do velho humour britânico, e ilustra o juízo que os ingleses fazem dos norte-americanos. Quem, em pleno século XXI, acreditaria numa pantomima dessas. O GCHQ sabe que os seus compatriotas desconfiam que os dados procurados pela inteligência secreta não terminam ali, no disco rígido nem no pendrive, mas já correm feito vírus por outros sistemas da cibercultura.

A piada é que eles acham que os americanos não sabem disso...





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quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Quando o aluno procura o mestre

Entrevista informal de Luiz Antonio de Assis Brasil
a Marcelo Degrazia
PUC-RS – 17.08.1994




A entrevista abaixo na verdade foi um bate-papo, logo em seguida à época em que frequentei a oficina de criação literária de L. A. de Assis Brasil na PUC. Informal, próprio dessas relações, o encontro não teve outro objetivo além de esclarecer dúvidas sobre os procedimentos técnicos do processo criativo. Por isso não houve indagações referentes à obra do autor, por exemplo, e menos ainda referências a qualquer tema extra-muros. Outra ressalva importante: as perguntas, além das poucas anotadas, foram na sua maioria feitas no calor da hora, por associação, sem que Assis Brasil pudesse elaborar de maneira exemplar suas respostas. Sem arranjo prévio nem gravação da conversa, o desejo de registrá-la surgiu apenas mais tarde, no ônibus de volta para casa. A saída então foi tentar recompor as questões mais importantes (ao menos as que assim me pareceram na ocasião), a partir da memória. Portanto, os lapsos, a falta de sequência lógica, certos cortes abruptos, interpolações, algum determinismo e outras possíveis falhas, preservado o essencial de cada resposta, se deve ao método jornalístico aplicado aqui de modo canhestro, ao esquecimento e à inexperiência do falso repórter. 

Ao ler o material com os olhos de hoje, no entanto, devemos ressaltar a coerência entre as respostas e a obra do autor (em especial nos livros a partir de "O Pintor de Retratos"), a recomendação no mínimo perturbadora aos fãs incondicionais de Guimarães Rosa e Clarice Lispector e a localização primordial da obra de Simões Lopes Neto na história moderna da literatura brasileira. Muito instrutiva a respeito de seu processo, pelo menos até aquele momento, é a exposição de facetas de seu próprio método de composição, em especial no que diz respeito à criação e desenvolvimento das personagens e sua relação com a trama. Iluminadora é a sua concepção de tema como mito pessoal do escritor. E, para um temperamento conciliador como o de Assis Brasil, sua resposta firme em relação ao papel da crítica para a formação do escritor, no que diz respeito estritamente ao ofício e suas agruras, seria um polêmico ponto de partida para uma saudável discussão. 

Mas gostaríamos de destacar, sobretudo, o aspecto talvez mais fundamental para a ficção, que andara sufocado pelo excesso de experimentalismo nas décadas anteriores, mas que no início dos anos 1990 ainda provocava (talvez ainda provoque...) urticária em certos círculos literários, e por isso mesmo é importante relevá-lo nas respostas do autor: a valorização da narrativa. Ao menos de certa narratividade, se podemos assim dizer, com menos visibilidade para as idiossincrasias do autor, em nome de mais espaço à personagem e ao leitor, afinal o grande destino de todo bom texto.  




Luiz Antonio de Assis Brasil
Haveria situações em que a melhor saída seria uma ad-jetivação convencional? Por exemplo, quando o substan-tivo é apenas um elemento de apoio à narrativa.

AB – Sim. Quando a ação de uma personagem é uma ação corri-queira (ao levantar uma xícara de cafezinho, por exemplo), não se deve perder tempo em descrever essa ação, com detalhes da porcelana e de seu desenho, a menos que isso seja essencial. Tais descrições interrompem a narrativa e acabam por cansar o leitor.

Não seria o caso da descrição que José Saramago faz da queda de uma cadeira, no conto cujo título é o nome do próprio objeto.

AB – Exatamente. Nesse caso, o tema de todo o conto é a queda da cadeira e o seu valor simbólico. Ainda sobre os adjetivos, penso que a combinação de substantivo concreto com adjetivo abstrato já não rende nada de novo. Ao contrário, a combinação de substantivo abstrato com adjetivo concreto tem bons resultados a oferecer. Desligar um adjetivo do seu contexto de origem, já fixado pela tradição, e ligá-lo por sua vez a um contexto inusitado, dá resultados surpreendentemente bons.

Em que medida a “cor local” deve ser empregada para não se cair no regionalismo?

AB – A “cor local”, como os nomes, adjetivos, locuções e expressões regionais, etc., deve ser usado de maneira orgânica, funcional, sempre a serviço da narrativa. Mas, antes de tudo, a opção pelo regionalismo é uma opção ideológica e não estética, pois implica numa visão determinada do mundo, ligada a certos costumes e princípios arraigados, e por isso ele é muito limitante.

Não seria o caso de Simões Lopes Neto, que usou o próprio regionalismo para superá-lo, numa linguagem carregada mas saborosa. Lembro do seu conto “As Trezentas Onças”, em especial. Aliás, muito antes de Guimarães Rosa.

   
Simões Lopes Netos
AB – Simões Lopes Neto é um caso único na literatura brasileira. Ele foi um modernista avant la letre, antes de 1922; transcende o regional para expressar as inquietações do espírito humano. E o mais espantoso é que ele fez isso de maneira ingênua, pois não tinha uma sólida formação, não era um literato.



Capa da Ática
 Até que ponto as colagens de modos, tons e gêne-ros são conflitantes?

  AB – Essa é uma preocupação vã. Hoje em dia não se tem mais interesse em determinar gêneros ou pureza de estilo, e sim, se o texto está bem escrito, se as situações que ele apresenta estão bem resolvidas. Até hoje os críticos polemizam em torno de “Dom Quixote”, não sabem em que gênero enquadrá-lo. Essa é uma preocupação inútil, até porque muitos clássicos, além do livro de Cervantes, não pertencem de maneira exclusiva a nenhum gênero.

É correto dizer que, de uma forma ou de outra, todo texto é datado? Essa questão me ocorre em virtude de uma preocupação excessiva de alguns autores em não datarem seus textos.

AB – É evidente. Não se pode fugir ao tempo. Nesse caso, é preciso muito critério na seleção do material para não se condenar prematuramente um texto. É o caso da moeda, por exemplo. Os alemães costumam se referir ao Marco em suas histórias, mas lá a moeda tem resistido mais. De qualquer forma, é sempre um risco. Por outro lado, a linguagem também não pode fugir ao seu tempo, pois se você o encobre com a supressão de suas próprias marcas, ele acaba por denunciá-lo. O melhor é evitar os modismos tanto de linguagem quanto de comportamento, ou culturais, e usar do seu tempo só aquilo que é essencialmente indispensável para a economia narrativa.

Ilustração de Gustave Doré para o romance de Cervantes

A retomada da narrativa, para não representar apenas um desejo nostálgico feito os movimentos de retorno estético como o Neoclássico, ou de fuga espiritual como no caso do Romantismo, para não ser apenas isso, como ela deve articular a linguagem e a estrutura, tendo como força motriz o conflito?

AB – Essa é uma questão que cada escritor deve responder com o seu próprio trabalho. Em literatura não há mais fórmulas. Os escritores são seus próprios deuses e algozes. Com a agonia do pós-moderno, está se valorizando mais a narrativa, porque na verdade ela nunca esteve ausente da cena, nunca foi uma moda.

Ela preenche uma necessidade básica do ser humano: ouvir e contar histórias.

AB – Exato. Esses movimentos são cíclicos, ora se privilegia a linguagem, ora a narrativa. E no caso da linguagem, citando a questão dos adjetivos, ainda há muito o que se criar e transformar. Veja o caso de Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Não são aconselháveis para escritores em formação. A aparente facilidade com que escreve Clarice, por exemplo, engana facilmente. Você olha aquilo e diz “eu posso fazer igual”. Mas é falso. Guimarães é outro escritor que fascina desde logo pela riqueza de sua linguagem, e somos tentados a fazer igual. Mas ele também é único.

Nota-se que são dois autores falhos na estrutura.

AB – Vargas Llosa já é um excelente caso de estrutura bem resolvida. Pegue, por exemplo, “Guerra no Fim do Mundo”. É impressionante a obsessão com que ele constrói o seu romance, um trabalho de precisão matemática, com uma estrutura férrea, de geômetra. A entrada e saída dos personagens, a cada capítulo, seguem uma ordem rigorosa na alteração de suas posições na trama: o que ora entra em primeiro, no próximo capítulo já será o segundo, no outro o terceiro, e assim até sumir do romance. Quem é capaz de fazer isso tão bem quanto ele e outros poucos? Costumo dizer que só os gênios descobrem essas formas novas de estrutura; os outros escritores as copiam, com suas alterações peculiares. No Brasil, o João Ubaldo Ribeiro de “Viva o Povo Brasileiro” é um bom exemplo de estrutura. 
Autran Dourado
Mas, sem dúvida, é Autran Dourado, o nosso melhor engenheiro. É notável a precisão com que ele armou a estrutura de “Os Sinos da Agonia”. Outro caso extraordinário é o de García Márquez, que nunca se repete, está sempre procurando uma forma nova para tratar de seus antigos temas. Aliás, como Picasso, que certa vez admitiu copiar todo estilo que achasse interessante, mas jamais se permitiu copiar a si mesmo. Resumindo, cada escritor, seguindo seu mito pessoal, dá uma resposta muito particular a cada uma dessas questões.
Capa da Difel

De Autran Dourado, é também o caso de citar “O Risco do Bordado”, e o título aliás não é por acaso. Ele inclusive mostra a “planta baixa” em seu “Uma Poética de Romance: Matéria de Carpintaria”, no qual compara os arranjos para a estrutura aos andaimes de um prédio: uma vez em pé o edifício, jogam-se fora  roldanas, cordas e madeiras. 
Marcel Proust
Seria o caso de citar, também, o romance de Marcel Proust, de quem se costuma sempre ressaltar a linguagem, não faltando crí-ticas a uma suposta construção caótica. Pois Gerard Genette, em “As Estruturas Narrativas”, demonstrou bem que a mon-tagem de todo o material de “Em Busca do Tempo Perdido” segue um princípio or-denador, são vasos comunicantes, e não por acaso o último volume termina justa-mente quando o narrador está preparado para dar início à sua obra monumental, a obra cuja leitura já estamos concluindo com o último volume. A propósito, o que você acha de um escritor ler os críticos para a sua formação?

AB – Absolutamente inútil. Assim como os professores, os críticos não têm nada a nos ensinar. Aprendemos o ofício de escrever lendo os bons autores, só com eles vamos aprender a organizar o nosso material narrativo e a afiar a linguagem. Os professores não têm condições de nos mostrar isso tão bem quanto um colega.

Como você vê as antigas questões de tempo e espaço?

AB – O tempo histórico, para ficar só nele, se é o tempo presente, não oferece muita dificuldade, já que facilmente o leitor contemporâneo o reconhece, afinal é o seu tempo que permeia a história. Já quando se trata de uma narrativa de época, o narrador não pode abdicar de seu próprio tempo, no caso o contemporâneo, em troca do passado. Lembremos o narrador de “Memorial do Convento”, de José Saramago. Ainda que acompanhe as etapas de construção do convento e as evoluções da passarola, o narrador sempre deixa transparecer sua condição presente. Fica claro que é um olhar de hoje sobre o passado.
Capa da Bertrand Brasil

E isso envolve também uma questão ética. Mas antes disso, a dicção do narrador, sua maneira de ver os fatos, as piadas até, deixam sempre evidente, inclusive no caso do “Memo-rial”, e é impossível subverter isso, que o narrador não é “daquele tem-po”.
    
AB – De outro modo, não teria sentido. O narrador deve mostrar sempre uma posição crítica em relação ao passado. Veja o caso de Alexandre Herculano, em “Eurico, o Presbítero”. O seu narrador chega a nos cansar com seu ponto de vista da época que aborda. E isso não tem valor para nós, pois aquela visão é a visão que o próprio passado tinha dele mesmo, e o que importa, para nós, é libertar o passado para vê-lo com nova luz. Nesse sentido, Herculano não nos ajuda.

Até porque, o tempo passado possuía um ritmo próprio, que não é o nosso, e por maior que seja o esforço do escritor, seu narrador e seus personagens vão de algum modo trair o tempo presente.

AB – Sim, o narrador não deve incorporar a personagem do passado; ao contrário, deve agir com a consciência do seu tempo e deixar claro sua intenção na história. Ainda sobre o tempo, ele funciona como elemento auxiliar da narrativa, ajuda a estruturar (organizar) o material da ficção.

E quanto ao espaço?

AB – O espaço deve ser o mais claro possível, transparente. O leitor deve ser informado, ou antes, o texto tem que fornecer marcações precisas para que o leitor se localize, visualize a ação no espaço. Antes de escrever meus romances, pesquiso sobre o espaço e as locações em que vai se desenrolar sua história. Mas é preciso cuidado para não tornar muito evidente a pesquisa, para não fazer da história um mero documento. De toda a pesquisa, quando muito, aparece 5% para o leitor, é a ponta do iceberg, visível o suficiente para localizar os navegadores e evitar desastres de percurso, como no caso das cargas de cavalaria de “A Ferro e Fogo”, de Josué Guimarães, que a certa altura já não sabemos mais se os cavalos afinal sobem ou descem as coxilhas, ou de que lado avançam. Érico Veríssimo, no Brasil, é um excelente exemplo de visualização espacial.


Ele, inclusive, fez a "planta baixa" de Santa Fé antes de começar “O Tempo e o Vento”, à qual voltava sempre que tinha alguma dúvida. E quanto aos personagens, você os define antes de começar? O que você pensa dos personagens que “fogem do seu criador”?

AB – Os personagens, a rigor, não tem vida própria, são criações do autor. No meu caso, delineio somente os personagens principais antes de começar. Mas nunca antes do tema e da trama. É sempre a trama, as condições criadas para o seu desenvolvimento, que me sugere os personagens, nunca o contrário. Quando inicio o trabalho, já sei o aspecto físico, a idade, os gostos, traços psicológicos e a posição que cada um vai assumir na trama. Nunca me acontece de um personagem fugir ao scripty; se isso ocorre, é por falha na estrutura. É claro que à medida que você vai convivendo com um personagem, vai também descobrindo cada vez mais coisas a respeito dele, aprofunda seu conhecimento sobre ele, mas nunca ao ponto de “perdê-lo”. O que ocorre com mais freqüência é o escritor se perder. E isso por falta de “planta baixa”. A certa altura, se ele não tem conhecimento prévio da trama nem do material a ser utilizado, se não conhece os conflitos de seus personagens, não sabe o sentido da ação, a certa altura esse escritor vai travar, e aquilo que ele poderia resolver em meses, demorará anos, até que encontre a clarividência sobre a própria obra. Isso sem falar no imenso trabalho que causam os “achados” no meio do percurso, as guinadas impulsivas para um lado e outro a fim de persegui-los. Então, é preciso reescrever boa parte do que foi feito para justificar tais “achados”, o que causa grande perda de tempo, por mais moderno que seja o computador utilizado. Há também um outro caso típico, o daqueles escritores que partem com o conhecimento prévio apenas dos personagens, ignorando o tema e a trama; pensam que basta você definir com clareza todos os aspectos dos personagens e em seguida jogá-los em cena, como se sozinhos eles fossem resolver o problema da falta de estrutura.

E como você escolhe o tema?

AB – Na verdade ocorre o contrário, é o tema que nos procura. O autor escreve sempre sobre os mesmos temas, e não seria absurdo dizer também que está sempre escrevendo o mesmo livro. O tema acompanha o autor toda a vida, é o seu mito pessoal, que ele vai desvendando à medida que escreve. Por isso, são poucas as variações temáticas em um autor, ou antes, são todas manifestações paralelas, partem de um mesmo núcleo. Não acredito que um escritor possa escolher aleatoriamente um determinado tema e escrever sobre ele. Antes, vai encontrar o tema nele mesmo, num esforço de decifrar a si mesmo, o seu mito pessoal. Agora, esse tema não pode nunca aparecer isolado dentro do texto. O escritor deve sempre fazer a opção pela narrativa. Casos como o de Thomas Mann, em “A Montanha Mágica”, onde dois personagens, depois de interromperem a narrativa, gastam vinte páginas para um debate de idéias, é hoje inadmissível, mais, chega a ser um golpe baixo contra o leitor. Já não era o caso de Proust, cujas interrupções eram sempre em favor de novas instâncias narrativas.

Apesar dos fastigiosos diálogos em torno da mesa na hora das refeições, ou das discussões de salão.

Edição portuguesa 
       AB – Isso era moda da época, refletem os costumes de uma sociedade, e Proust praticava o chamado romance de tese. Mas ele nunca cortava o fio narrativo. (Mesmo nos jantares e nos salões, quando é evidente o debate de ideias, o narrador proustiano não perde de vista a ação, as características físicas e psicológicas dos personagens, seus conflitos, suas grandezas e mesquinharias, seus envolvimentos emocionais. O próprio desenrolar das cenas, no caso os costumes da sociedade francesa da época, era objeto de crítica narrativa. De fato, não se cortava o fio narrativo...) O escritor deve resolver a questão temática com a ação.

Deve procurar nela os motivos que reflitam sua postura. A vida de um deputado, por exemplo, com suas relações sociais, ou a amizade com determinados congressistas, é rica o suficiente para se fazer a crítica a um determinado sistema político. Não é necessário transcrever seus discursos ou teses políticas no interior da trama, a menos que um ou outro seja estritamente necessário. A propósito, até que ponto o escritor deve se ater aos fatos históricos?
Capa da L&PM

AB – O escritor tem a máxima liberdade em relação a eles. Deve ficar a seu critério quando e a maneira de utilizá-los. No meu caso, em “A Manhã Transfi-gurada”, há duas séries de fatos reais ocorridas com um intervalo de doze anos entre elas, mas, por questões de economia narrativa, utilizei-as como se tivessem ocorrido numa mesma época.

A tão festejada “licença poética”.

AB – Exato. É muito bom que na literatura as coisas ocorram assim.




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domingo, 22 de setembro de 2013

O argumento da neutralidade técnica





A única força
neutra
no mundo
ainda é
a lei da gravidade 






Já quanto a portarias, regras, normas, leis, acordos, tratados...


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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Males de Origem


Pintura de José Garnelo Alda, 1892, para comemorar
 o IV Centenário do "Descobrimento" da América. 

      Estou de passagem por Nova Petrópolis, onde acontece o Festival Internacional do Folclore.
      Atrás da plateia, ao lado de dois turistas peninsulares, assisto à apresentação do último grupo da noite. São três índios pataxós vestidos com tangas e penas, têm os corpos pintados e levam nas mãos arco, chocalho e um apito que imita cantos de pássaros da selva. Dançam a toré, vivem próximo do Porto Seguro onde nasceu a Grande Nação...
      – Que lindo – diz o espanhol com voz pequena.
      Eles dançam para a chuva, para a colheita, fazem sons que aludem ao espírito da floresta, numa coreografia com beleza e ritmo para nos transportar em sonho até a Bahia, até o terreiro de sua tribo. São da aldeia Coroa Vermelha.




      – Que beleza – diz o portuga.
      Mas sinto tristeza. Na serra gaúcha, nos jardins germânicos da imigração, estão fora de casa. Fosse outra a história, eu ficaria feliz com a apresentação. Atrás dos índios, a faixa com o tema do evento, “A Diversidade é o que nos une”, sugere a legenda de uma ironia trágica.
      Olho para os turistas ibéricos e, inspirado em Picasso, quando respondeu ao militar alemão sobre a autoria de Guernica, disparo:
      – É obra de vocês... essa apresentação... a força da diversidade... É um acerto de contas com a história!
      Eles olham para mim como se para um louco.
      – Que passa? – diz o espanhol franzindo a testa, agora num tom bastante audível.
      – Se vocês não tivessem exterminado 30 milhões de índios, não tivessem feito o Holocausto antes dos alemães, eles agora estariam dançando, mas na tribo deles.
      – Ora, não amoles! – diz o portuga saindo de fininho.
      O espanhol vai atrás:
      – Que tipo, hein! Cabrón!
      Eu digo às costas deles:
      – Holocausto, sim. Dos avós de vocês... Genocídio!
          
      Cristo!... Salve a aldeia Coroa Vermelha!...





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terça-feira, 10 de setembro de 2013

Os Senhores da Guerra




       A necessidade de maior espaço vital para o crescimento da Alemanha nazista é o mesmo que a expansão de mercado para o Capitalismo. invasão de território e o uso do terror são alguns pontos de contato de seus métodos. 


30 milhões?
300 mil?
6 milhões?

      O genocídio dos índios americanos, o morticínio de judeus na Segunda Guerra, a bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki...



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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A ‘caixa preta’ do grande irmão no admirável mundo novo

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa, 
em 27/08/2013 nº 761
Por Elenita Malta Pereira*




Desde maio de 2013, quando o norte-americano Edward Snowden divulgou, por meio do jornal britânico The Guardian, documentos que comprovam o esquema de vigilância internacional da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (National Security Agency, ou NSA), a imprensa brasileira e mundial tem dado destaque ao episódio, muitas vezes relacionando-o à distopia criada por George Orwell, em seu livro1984 (publicado em 1949). O escritor inglês imaginou um mundo dividido entre três Estados totalitários (Oceania, Eurásia e Lestásia), que teriam controle total sobre a população, através de mecanismos de escuta e da teletela, uma espécie de “olho que tudo vê” instalada em quase todos os lugares. Em parte, a previsão de Orwell se tornou realidade, no entanto, o mundo em que vivemos no século 21 se parece mais com o de outra famosa distopia, escrita bem antes, pelo também inglês Aldous Huxley.

No totalitarismo de Admirável Mundo Novo (de 1932), a vigilância e o controle também existem, mas exercidos pelo condicionamento total dos seres humanos, do embrião ao
adulto. Desde o tempo de bebê, são fixados preconceitos e crenças, através da hipnopedia (hipnose durante o sono), visando formar adultos fascinados pelas inovações tecnológicas, consumo e diversão. O Estado mantém as pessoas numa espécie de felicidade eterna, embalada pelo soma, a droga perfeita, que faz esquecer os problemas, evita tristeza e mau-humor e ainda ajuda a dormir bem, tudo isso sem efeitos colaterais aparentes. Para completar o caráter admirável desse mundo, a medicina consegue evitar doenças e até mesmo acabar com a aparência de velhice do rosto e do corpo; no entanto, a juventude e beleza eternas cobram o preço bem cedo: “A juventude quase intacta até os sessenta anos, e depois, zás! O fim.”

Orwell e a vigilância mundial

Assim como os cartazes do “Grande Irmão” espalhados pela Oceania de Orwell prometiam tranquilizar e proteger a nação, com a mensagem “O Grande Irmão zela por ti”, os Estados Unidos de hoje acreditam estar prestando um
serviço ao país, por meio do seu sistema de vigilância. Em sua visita recente ao Brasil (13/08/2013), o secretário de Estado norte-americano John Kerry afirmou: “Achamos que nosso serviço de inteligência protege a nossa nação, assim como outros povos. Continuaremos a fazê-lo.” O próprio Obama disse em diversas ocasiões que a vigilância das telecomunicações é realizada legalmente, e que contribui para salvar vidas e impedir atentados terroristas. Além de seus próprios cidadãos, pessoas de outros países têm sido vigiadas. A matéria de capa da CartaCapital de 14/08/2013 revelou que os EUA mantinham 16 endereços em Brasília, onde instalaram bunkers de espionagem; atualmente, pelo menos seis desses locais permanecem em funcionamento.

É claro que não vivemos num mundo totalmente controlado como o inventado por Orwell, mas é difícil deixar de perceber paralelos entre eles, depois das revelações de Snowden. A ameaça da vigilância é comum a 1984 e ao momento atual. No livro, o indivíduo nunca sabia com certeza se estava sendo vigiado pela teletela, ele vivia “na suposição de que cada som era ouvido e cada movimento examinado, salvo quando feito no escuro”. Recentemente, o Google afirmou que “usuários do Gmail não têm ‘expectativa razoável’ de que suas mensagens sejam confidenciais”, segundo documento descoberto pelo grupo de defesa do consumidor Consumer Watchdog, como divulgado no site da Folha de S.Paulo. Para diretores do Google, o usuário do Gmail não deve se surpreender se sua correspondência for aberta, da mesma forma que, no passado, as cartas poderiam ser abertas por carteiros e secretárias. Além de estúpido (já que ninguém esperava a abertura de suas cartas por outra pessoa além do destinatário), o argumento revela a possibilidade – ou ameaça – da vigilância. Não devemos estar seguros de que nossas conversas ou e-mails não estão sendo monitorados, assim como o personagem Smith, de que a teletela não estava “zelando por ele”.

Um mundo novo?

Se em 1984 encontramos semelhança com o mundo contemporâneo na questão da vigilância, emAdmirável

mundo novo podemos traçar diversos paralelos. Huxley
imaginou um futuro totalitário em que predominam o culto à ciência e tecnologia, relações descartáveis, consumo desenfreado, e fuga através das drogas. A busca interminável por diversão, beleza e preenchimento do vazio são o que movem os habitantes daquele mundo, nem tão novo assim para nós do século 21.

Enquanto em 1984 o sexo é considerado algo sujo e perigoso, necessário apenas à reprodução, em Admirável Mundo Novo o sexo é livre, servindo como uma das formas de diversão e alienação incentivadas desde a mais tenra infância. Em

ambas as distopias, no entanto, o amor foi abolido (assim como a família), e redirecionado para os grandes líderes. Na Oceania de Orwell, todo o amor é dedicado ao Grande Irmão; já no livro de Huxley, a figura máxima é Nosso Ford – uma ironia que remete ao inventor da linha de montagem, símbolo maior do produtivismo capitalista.

Tanto em 1984 quanto em Admirável Mundo Novo ocorre o condicionamento total do indivíduo, mas de formas diferentes. Orwell criou um mundo em que o sujeito é condicionado através da ameaça da violência e da guerra, preparado desde a infância para ser espião, denunciando até mesmo seus pais, se necessário. Huxley deu muito mais relevância ao condicionamento, que ocorre através dos avanços tecnológicos do “mundo novo”: técnicas de fertilização e manipulação genética, hipnopedia, indução de comportamentos e de uma série de preconceitos, que variavam de acordo com a classe social dos indivíduos, designada sempre pelo Estado. Numa sociedade

extremamente estratificada, os “administradores mundiais” escolhem quais serão os adultos mais ou menos inteligentes, fisicamente aleijados ou saudáveis, com rostos belos ou feios; de acordo com as características físicas e intelectuais, cada um pode aceitar melhor seu destino futuro. Dependendo da sorte do embrião, ele podia ser criado para tornar-se um Alfa ou um Beta, membro das classes superiores, ou um Ípsilon, que era ensinado para ser feliz por fazer parte do grupo menos favorecido da sociedade. Mais do que prejudicados em seu destino, os Ípsilones não eram nem mesmo indivíduos: através de técnicas de reprodução, seus embriões podiam ser divididos muitas vezes, e gerar dezenas de gêmeos; grupos de pessoas com rostos iguais e com pouquíssima inteligência humana, fabricados para servir o Estado nas tarefas mais árduas e repugnantes.

Ambos os mundos valorizam a juventude e beleza por toda a vida. Em 1984, o exercício físico é obrigatório, cobrado por professores que observavam através da teletela. Em Admirável Mundo Novo, o culto à juventude beira a obsessão. A beleza é necessária para atrair parceiros sexuais – no maior número possível – e a juventude é conseguida por meio de processos tecnológicos e dura toda a existência, que não passa, no entanto, dos sessenta anos.

O pensamento é controlado nas duas ficções, por diferentes meios. Em 1984 existe um órgão do Estado encarregado do controle, a Polícia do Pensamento, autorizada a prender os

culpados por “crimideia” – qualquer pensamento contrário às ordens do Partido. O sujeito não deve nunca demonstrar emoções, sensações ou pensamentos, seu rosto deve ser impassível. Já no livro de Huxley, o pensamento é condicionado desde a infância. Os livros são suprimidos (lembrando Fahrenheit 451, outra distopia sobre o totalitarismo), porque estimulam ideias e pensamentos. Pelo mesmo motivo, em 1984, os livros que ainda existem – de péssima qualidade e “inofensivos” – são escritos por máquinas.

Controle do passado

Um dos pontos mais instigantes do livro de Orwell é o controle do passado. O Partido disseminava o ditado “Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado”. Só poderiam existir os registros, provas e vestígios do passado permitidos pelo grupo dominante, que revelassem fatos positivos sobre o regime, de forma a legitimá-lo. O Grande Irmão precisava estar sempre certo. Por isso, a destruição e a deturpação permanente dos registros eram fundamentais. Em Admirável Mundo Novo, também foi destacado o caráter perigoso da história. “A história é uma farsa”, segundo o líder Ford. Ela deixou de ser ensinada e o Estado empreendeu uma campanha contra o passado, com o fechamento de museus, destruição dos monumentos históricos e supressão de livros.

Para um controle efetivo do passado, o regime totalitário de 1984 inventou o duplipensar, sistema de raciocínio que permite alterar continuamente o passado. É o controle da 
Aldous Huxley
realidade pelo Partido; “a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e aceitá-las ambas”. Se o Partido quiser que você veja cinco dedos onde há quatro, você deverá acreditar que vê cinco dedos. Se pela manhã a Oceania estava em guerra com a Eurásia, mas à tarde o Partido disser que a guerra era e sempre foi com a Lestásia, você tem que acreditar que sempre foi assim. No livro de Huxley, permanece, ao menos, uma amostra do passado, na “reserva dos selvagens”. Nessas reservas, habitavam povos considerados primitivos, que ainda mantinham rituais e costumes antigos. Os selvagens ainda possuíam e preservavam sua história; do contrário, os civilizados a mataram.

Desilusão com o mundo novo

Não podemos nos esquecer do contexto social de produção das duas obras. Enquanto Admirável Mundo Novo foi escrito no início dos anos 1930, num período entre guerras, em que se percebia cada vez mais a relação entre o avanço da mecanização dos processos de produção capitalista e o aumento da frieza e brutalidade das relações sociais, 1984 foi concebido no recente pós Segunda Guerra Mundial e em meio a graves problemas pessoais de Orwell.

Ambos os livros mostram uma enorme desilusão com o mundo em que vivem, a partir do olhar crítico de seus autores. Quando Huxley escreveu, ainda não havia acontecido o horror da Segunda Guerra, mas era o contexto
George Orwell
de ascensão dos estados totalitários, com Mussolini e Stalin já no poder. O horror da grande guerra influenciou no tom extremamente pesado de 1984. Além disso, Orwell começou a escrever o livro meses após a morte de sua esposa, quando também estava sofrendo muito com a doença que lhe tiraria a vida, a tuberculose. Ele resolveu isolar-se numa ilha inóspita e hostil para escrever, invertendo no título o ano em que finalizou o trabalho (1948 se tornou 1984).

São dois livros de impactante leitura, especialmente 1984, que tem passagens difíceis, por causa da extrema habilidade com que Orwell descreve cenas de tortura. Não se é o mesmo depois de ler essas obras. Elas foram brados de alerta de seus autores, a partir de seus contextos de escrita, sobre o que poderia acontecer se as sociedades ocidentais rumassem para o totalitarismo. Mais do que nunca, elas têm algo a dizer sobre o mundo contemporâneo.

O novo grande irmão

A recente notícia de que o jornal The Guardian fechou uma parceria com o The New York Times para tornar públicos parte dos documentos vazados por Snowden expõe o controle da comunicação pelas autoridades britânicas. O governo inglês ordenou que o The Guardian entregasse os documentos em seu poder. Como os jornalistas dos Estados Unidos são protegidos pela Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão, o que impede que o estado entre com liminares de “pré-publicação” ou “censura prévia”, o acordo de cooperação vai tornar possível a divulgação de novos desdobramentos do esquema de vigilância mundial arquitetado pelos norte-americanos.

As revelações do ex-analista da CIA levam a crer, guardadas as devidas proporções, que a vigilância orwelliana parece

estar se instalando definitivamente no admirável mundo novo. A tecnologia que tanto tem seduzido os cidadãos desse novo mundo é também usada como mecanismo de controle e vigilância. Através das inovações tecnológicas, relações descartáveis e consumo desenfreado, o sistema têm tido mais sucesso em alienar e controlar, do que a imposição pela ameaça do uso da força. Em entrevista de 1958 ao jornalista Mike Wallace (YouTube), Huxley afirmou: “se você quiser preservar seu poder indefinidamente, você tem que obter o consentimento dos governados”.

Se o país que se acredita a mais avançada democracia do mundo empreende um esquema de vigilância gigantesco e vive sempre em guerra contra o terrorismo, o que poderia acontecer num regime verdadeiramente totalitário? A sedução pelo consumo, especialmente de tecnologia, está cobrando seu preço. Num mundo em que a exposição máxima é incentivada, com o culto às celebridades, aos games e aos equipamentos eletrônicos, poucos parecem estar muito preocupados com a vigilância de seus e-mails ou de suas postagens nas redes sociais. Sociedades que dão pouco valor à privacidade podem se tornar iscas fáceis de dominação, e acreditar mesmo – numa espécie de duplipensar – que a vigilância é “para o seu bem”.

A cooperação entre os jornais britânico e norte-americano vai produzir uma série de matérias sobre a vigilância mundial. Esperamos que esses e outros artigos venham a abrir cada vez mais a “caixa preta” do grande irmão. É uma big ironia, pois com a revelação dos detalhes do esquema, seremos nós que adentraremos nos segredos do irmão do norte. Mas nesse caso podemos alegar que será mesmo para o “bem de todos” – para o bem da liberdade de expressão de todos; quem sabe assim, nosso mundo poderá vir a ser, em parte, realmente admirável.

* Elenita Malta Pereira é historiadora e doutoranda em História


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